Velha mapa de Timor (1522 manuscrito do diário de Antonio Pigafetta)
Velha mapa de Timor (1522 manuscrito do diário de Antonio Pigafetta)

Política linguística de Timor-Leste: A Reintrodução do Português como Língua Oficial e de Ensino

This post is also available in: Deutsch

Escrito por Dietrich Köster

1. Breve resumo histórico geral

Timor-Leste/Timor Português foi colonizado por Portugal, a partir dos princípios do século XVI. Esta presença durou até Agosto de 1975, período em que se iniciou uma guerra civil entre dois partidos políticos timorenses lutando pelo poder.

Nesta altura o pessoal português de administração e os membros portugueses da tropa – encabeçados pelo governador português, o então Coronel Mário Lemos Pires – retiraram-se para a ilha adjacente de Ataúro em busca de refúgio.

No dia 7 de Dezembro de 1975, de forma cruel, Timor-Leste foi invadido militarmente numa acção conjunta dos três ramos das forças armadas da Indonésia.

Quase 24 anos depois o regime de ocupação indonésio acabou depois da Consulta Popular, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a 30 de Agosto de 1999. A independência, promovida por esta organização, foi realizada a 20 de Maio de 2002.

2. A política linguística da potência colonial portuguesa até 1975

Durante todo o período colonial português a língua portuguesa tinha um papel eminente. Toda a administração se servia do português como única língua de comunicação oral e escrita. A língua de ensino em todos os estabelecimentos escolares era também exclusivamente o português. Esta atitude perante a língua portuguesa fez parte da política ultramarina de assimilação linguística e cultural do período colonial.

3. A política linguística da FRETILIN 1974-78

Pouco depois da fundação da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) no ano de 1974 começaram os cursos de alfabetização, ministrados em língua tétum, a língua local mais importante. Estes cursos acabaram já em 1978 por causa do perigo de serem detectados pelos militares ocupantes indonésios. Por outro lado, a liderança deste partido continuou considerar o português como língua oficial.

4. A política linguística da potência ocupante indonésia 1975-99

Com a invasão indonésia, na forma de uma agressão combinada dos três ramos das forças armadas indonésias, a política linguística mudou completa e abruptamente. A língua indonésia, ou seja, o Bahasa Indonesia – uma língua artificial baseada na lingua malaia -, foi introduzida em todos os domínios da vida pública. A língua exclusiva das autoridades tornou-se o indonésio. Nas escolas todas as disciplinas eram dadas em indonésio. A maioria dos professores eram transmigrantes, sobretudo da ilha de Java, a ilha mais importante e mais povoada da Indonésia. A língua portuguesa foi proibida. Para os novos senhores da ocupação, o português era considerado como uma língua suspeita, porque não a conheciam e não queriam aprendê-la. Foi a razão pela qual o português foi excluído da vida pública em 1981. A única lingua aceite e ensinada a par do indonésio era o inglês, leccionado como língua estrangeira nas escolas secundárias.

Todas as novas inscrições eram em indonésio, se bem que os nomes das ruas continuassem a serem denominados na maneira portuguesa, antepondo a designação indonésia “jalan” para “rua”.

O resultado deste período de ocupação foi o seguinte:

A maioria dos habitantes com menos de 35 anos tem poucos conhecimentos da língua portuguesa, mas possui um bom domínio da língua indonésia. Há mesmo uma certa rejeição a aprender mais uma nova língua que não é de origem local.

Em 1992 a última escola com português como língua de ensino, o Externato de São José – uma escola da Igreja Católica – teve de fechar as suas portas. Somente os seminários menores e o maior desta igreja puderam continuar com o ensino do português. Mas a língua portuguesa foi abolida da missa sob pressão dos ocupantes a favor do tétum, a língua local mais conhecida.

5. O começo duma nova era após a Consulta Popular: a discussão da questão linguística

Com quatro línguas de relevância, Timor-Leste tem uma problemática delicada. São as línguas tétum, portuguesa, indonésia e inglesa que fazem concorrência entre si:

A língua nacional mais conhecida e bem enraizada é o tétum falado por aproximadamente 80% da população. A língua oficial tradicional durante séculos foi o português, que é falado actualmente só por 15% da população escolarizada durante o período em que o país foi uma província ultramarina portuguesa ou uma colónia, ainda que 77% da população em idade escolar frequentasse os vários graus de ensino no ano lectivo de 1973-74. Contudo um conhecimento passivo da língua portuguesa caracteriza uma grande parte da população graças ao imponente elemento português na língua tétum, hoje falada pela maioria dos leste-timorenses. De facto é impossível que um timorense tetumófono nada perceba de uma conversa ou um discurso em português.

A actual elite política sempre conservou os seus conhecimentos activos da língua portuguesa. A liderança da guerrilha FALINTIL sempre apostou no português como a língua que unisse todos os leste-timorenses.

A língua dos invasores indonésios, o Bahasa Indonesia é bastante bem conhecida pela nova geração por causa da alta percentagem de escolarização durante o regime indonésio. Esta camada etária gostaria de continuar com o indonésio como língua de comunicação geral.

Finalmente, o inglês é considerado como um meio de comunicação internacional por pessoas da nova geração, útil para fazer uma carreira profissional. Esta língua goza dum prestígio, que foi reforçado pela presença dos membros da Administração Transitória das Nações Unidas. Estas pessoas utilizavam o inglês.

6. A alocução do Professor Geoffrey Hull por ocasião do Congresso Nacional do CNRT em 2000

Foi o professor australiano Geoffrey Hull, da Universidade de Western Sydney, que deu um grande impulso à reintrodução da língua portuguesa graças a uma comunicação proferida por ocasião do Congresso Nacional do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) no dia 25 de Agosto de 2000. Afirmou que a língua principal nacional de Timor-Leste, o tétum, só se poderia desenvolver juntamente com o português. São estas duas línguas que garantiam, juntamente com a fé cristã, a identidade nacional de Timor-Leste.

Em contrapartida, o inglês seria pouco apropriado como língua oficial, porque esta língua aspira sempre por um papel dominador ameaçando as línguas locais. A Austrália, as Filipinas e Malta são exemplos de assassínio linguístico.

Por outro lado, o Bahasa Indonesia estaria inevitavelmente associado para a população leste-timorense, após 24 anos de genocídio, ao terror e à brutalidade. Assim, esta língua não poderia servir de língua oficial.

Após esta alocução, o Congresso Nacional do CNRT decidiu introduzir o português como língua oficial na futura República Democrática de Timor-Leste.

7. As disposições da Constituição da República Democrática de Timor-Leste relativas às línguas

Artigo 13

(Línguas oficiais e línguas nacionais)

1. O tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste. 2. O tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas e desenvolvidas pelo Estado.

Artigo 159

(Línguas de trabalho)

A língua indonésia e a inglesa são línguas de trabalho em uso na administração pública a par das línguas oficiais, enquanto tal se mostrar necessário.

8. O apoio português na reintrodução da língua portuguesa

Contactos oficiosos entre o Instituto Camões de Portugal e o CNRT, antes de 30 de Agosto de 1999, foram transformados em contactos oficiais imediatamente depois da Consulta Popular, por meio de acordos entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal conjuntamente com o Ministério da Educação de Portugal e o CNRT, os dois Governos Transitórios e o primeiro Governo Constitucional respectivamente. Estes prevêem o envio de 145 professores para o ensino da língua portuguesa e de outras disciplinas em língua portuguesa. Este corpo docente está espalhado pelas escolas dos 13 distritos de Timor-Leste, variando entre 3 professores para Aileu e 49 para Díli. A coordenação é realizada pela Adida de Educação da Embaixada de Portugal.

Por outro lado, o Instituto Camões disponibiliza 16 formadores (incluindo a coordenadora), que fazem parte do Centro de Língua Portuguesa (CLP) ensinando português como língua especializada em cursos extracurriculares. Estes cursos dirigem-se sobretudo aos membros da administração pública de Timor-Leste, como por exemplo, os colaboradores dos vários ministérios, da Academia da Polícia, do Quartel dos Bombeiros, dos tribunais, dos Serviços Centrais da Administração, da Comissão do Plano, do Banco Nacional Ultramarino.

Existiam em Fevereiro de 2002 59 turmas com 1250 inscritos, com uma média de 21 alunos por turma, dos níveis de iniciação, elementar, intermédio e avançado.

As entidades privadas são também encorajadas a fazer solicitações para o estabelecimento de cursos especialmente organizados para elas, com um mínimo de 10 participantes.

Os membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros são obrigados a participar, de segunda a sexta-feira, das 9 às 10 e das 17 às 18 horas nos cursos de conversação de português.

15 docentes universitários dão aulas para os estudantes que abrangem o estudo de língua portuguesa e culturas lusófonas na forma de licenciatura estabelecida recentemente na Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTIL).

Além disso, há 7 professores portugueses que preparam os alunos que acabaram o curso de escola secundária para a frequência dum estudo numa universidade em Portugal. Os docentes foram destacados pela Fundação das Universidades Portuguesas (FUP).

Finalmente, há cursos gerais de aprendizagem da língua portuguesa para todos os estudantes interessados. Assim, foram instituídas turmas para 5000 participantes.

O núcleo de promoção de todas as actividades de ensino do português é o Centro de Língua Portuguesa (CLP), fazendo parte da Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTIL) e sendo apoiado e financiado pelo Instituto Camões.

9. A introdução da língua portuguesa nas escolas primária e secundária

A Escola Primária abrange os primeiros seis anos de escolaridade. No ano lectivo 2001/2002, as disciplinas eram ministradas, nos primeiros três anos do ciclo básico, em lingua portuguesa de manhã. A lingua tétum servia como língua auxiliar oral, caso houvesse problemas de compreensão. Cada ano lectivo é adicionada mais uma classe com a língua portuguesa como meio de ensino.

De tarde, os professores leste-timorenses frequentavam um curso de aperfeiçoamento na língua portuguesa leccionado pelos professores chegados de Portugal e distribuídos pelos 13 distritos de Timor-Leste.

Enquanto na Escola Primária o progresso da introdução da língua portuguesa avança cada ano mais, em detrimento da língua indonésia, as aulas da Escola Pré-Secundária (7. ao 9. ano) e as da Escola Secundária (10. ao 12. Ano) ainda continuam geralmente a serem dadas em língua indonésia. Por outro lado, existem já aulas intensivas de língua portuguesa como disciplina para todos os alunos, dadas por professores de Portugal.

Os primeiros livros vieram de Macau, território português até fins de 1999, mas, entretanto, a maioria dos livros escolares para os alunos são publicações impressas em Portugal. Suplementarmente todos os professores receberam uma “Mala Pedagógica” com vários livros, como ferramenta útil de ensino da língua portuguesa.

10. A introdução do português na Universidade Nacional de Timor-Leste

Na UNTIL a língua indonésia é ainda o meio de comunicação dominante. Mas com os cursos de língua portuguesa oferecidos a milhares de estudantes, os conhecimentos do português aumentam cada vez mais. Até agora a língua utilizada depende do docente. No caso de professores lusófonos pode ser feita uma tradução para a língua tétum. Em princípio pode dizer-se que o número de cursos dados em português tem vindo a subir.

11. A introdução do português como língua oficial

A partir do Dia da Independência todos os documentos deveriam estar redigidos ou em língua portuguesa ou em língua tétum. Caso haja a necessidade, podem utilizar-se ainda as línguas inglesa ou indonésia como línguas de trabalho. Actas importantes realizadas durante o período da Administração Transitória das Nações Unidas (Novembro de 1999 até Maio de 2002) devem ser traduzidas pelo menos do inglês para o português.

12. Medidas de apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC)

1. Desenvolvimento Empresarial e Formação Profissional em Timor-Leste

É um centro de formação profissional do ramo técnico no Bairro Becora da capital Díli que foi inaugurado pelo ministro brasileiro das Relações Exteriores Celso Lafer a 21 de Maio de 2002, o dia depois da independência. Os cursos são dados em português com tétum como língua auxiliar oral.

2. Alfabetização Comunitária em Timor-Leste

Trata-se de cursos de alfabetização em todos os distritos de Timor-Leste para adultos com métodos introduzidos à base de experiências feitas no Nordeste do Brasil. Ensina-se tudo em português, mas com tétum como meio auxiliar oral.

3. Formação de Professores e Alunos com Recurso da Educação à Distância em Timor-Leste

Neste curso utilizam-se meios modernos do audio-visual como cassetes áudio e vídeo, bem como livros de texto tradicionais para jovens e adultos nos ensinos primário e pré-secundário. Além disso, tenciona-se formar professores leigos em exercício para o ensino primário. O programa brasileiro de “Parâmetros em Ação” procura aperfeiçoar professores na sala de aula. Nos cursos utiliza-se a língua portuguesa com o tétum como fala auxiliar oral.

13. Perspectivas de reintrodução da língua portuguesa em Timor-Leste

Graças ao generoso apoio português, a reintrodução da língua portuguesa está cada vez mais em expansão. No planeamento do Instituto Camões espera-se que pelo menos um em cada dois leste-timorenses seja fluente na língua portuguesa dentro dum prazo de dez anos.

Com a adesão de Timor-Leste à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a 31 de Julho de 2002, os laços com os países de língua oficial portuguesa fortalecerá ainda mais a lusofonia de Timor-Leste.

BIBLIOGRAFIA:

– Tavares Esperança, João Paulo, Estudos de Linguística Timorense, SUL – Associação de Cooperação para o Desenvolvimento, com o Apoio do Comissariado para o Apoio à Transição em Timor. Aveiro 2001, ISBN 972-97343-1-X

– Camões, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, número 14 – Timor Lorosa’e, Julho-Setembro de 2001, Instituto Camões, Lisboa 2002, ISSN 0874-3029

– Tinoco. Jacinto, Não haverá unidade nacional sem unidade linguística, em: Boletim de Notícias, Associação Cultural Luso-Timorense, Edição número 3, pág. 1, Díli Abril de 2002

– Hull, Geoffrey, Timór-Lorosa’e, Identidade, Lian no Polítika Edukasionál/Timor-Leste, Identidade, Língua e Política Educacional, Instituto Camões, Lisboa 2001

– Thomaz, Luís Filipe F.R., Babel Loro Sa’e, O Problema Linguístico de Timor-Leste, Colecção Cadernos Camões, Instituto Camões, Lisboa 2002

– Leclerc, Jacques, L’Aménagement linguistique dans le monde: Timor Loro-Sa’e (République de Timor Lorosae), Universidade Laval, Quebeque 2004, http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/asie/timor_est.htm

Veja também:

– Dietrich Köster (Bona), Política linguística de Timor-Leste: a reintrodução do português como língua oficial e de ensino, Lusorama, 57-58, Francoforte do Meno Maio de 2004, pág. 172-179, ISSN 0931-9484

– Dietrich Köster (Deutsche Gesellschaft für die afrikanischen Staaten portugiesischer Sprache), Política linguística de Timor-Leste: a reintrodução do português como língua oficial e de ensino, ESTUDOS DE LÍNGUAS E CULTURAS DE TIMOR-LESTE/Studies in Languages and Cultures of East Timor, número 6, 2004, pág. 1-7, INSTITUTO NACIONAL de LINGUÍSTICA da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, ISSN 1441-1105

– LUSOPHONIE IN GESCHICHTE UND GEGENWART, Festschrift für Helmut Siepmann zum 65. Geburtstag, editado por Richard Baum e António Dinis, Dietrich Köster, Política linguística de Timor-Leste: a reintrodução do português como língua oficial e de ensino, pág. 123-129, Bona 2003, ISBN 3-86143-145-9 e ISSN 0178-8515

© Dezembro de 2004 por Dietrich Köster, D-53115 Bonn 

 

This post is also available in: Deutsch

About Marco Ramerini

I am passionate about history, especially the history of geographical explorations and colonialism.