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A História de Trincomalee durante os domínios português e neerlandês: Introdução

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

1.0 INTRODUÇÃO

A baía, chamada pelos portugueses de Baía dos Arcos, onde fica a cidade de Trincomalee1 na ilha de Sri Lanka (antigo Ceilão), sempre foi considerada como um dos melhores portos do mundo, com sua posição altamente estratégica no centro das rotas comerciais do Oceano Índico, e seu controle de todo o Golfo de Bengala, teria feito dela o local ideal para o desenvolvimento de um grande porto e centro de comércio, mas isso não aconteceu. Na verdade, ao contrário do que se poderia pensar, admirando-se a beleza e a importância de tal local de ancoragem, Trincomalee nunca se tornou um centro de grande importância durante a era colonial portuguesa e holandesa. As primeiras duas potências coloniais que dominaram e ocuparam as áreas costeiras da ilha de Ceilão durante cerca de 300 anos (1505/6 – 1796) preferiram focar seus interesses na região sudoeste da ilha (onde ficavam os portos de Colombo e Galle), enquanto que ao longo da costa leste a presença portuguesa e holandesa era inexistente, ou pelo menos durante parte do período mencionado limitada à região dos fortes de Trincomalee e Batticaloa.

Esta falta de interesse por Trincomalee e, de uma maneira geral, pela costa leste da ilha, foi causada por diversos fatores. A razão principal foi que, à época da chegada dos portugueses ao Ceilão, o reino mais importante da ilha, e aquele com o qual os portugueses mantinham relações comerciais (principalmente devido ao comércio de canela) era o de Kotte, cujos territórios se estendiam pela região sudoeste da ilha2 , e cuja capital, Jayawardhanapura Kotte, ficava somente a poucos quilômetros de Colombo, de maneira que esta localidade foi utilizada pelos portugueses como base principal para a subseqüente expansão da ilha. Durante o primeiro período de colonização lusa, a costa leste do Ceilão ficou praticamente esquecida, e somente após os primeiros invasores europeus (dinamarqueses e holandeses) alcançarem ameaçadoramente os mares asiáticos foi que os portugueses se deram conta da necessidade de ocupar e fortalecer Trincomalee e Batticaloa.

Outra razão pela qual Trincomalee nunca se alçou à posição de importante centro comercial durante o período português foi bem explicada por Queyroz: “[Trincomalee] …tinha um grande inconveniente, que era o de que, na época, não havia outros vizinhos a não ser os bedas, que são homens tão bárbaros e indisciplinados que raramente aparecem para outras pessoas.” 3 Queyroz mais adiante observa que se a região de Trincomalee se tornasse habitada e cultivada, ela poderia facilmente ser auto-suficiente. 4

O porto de Trincomalee, juntamente com Kottiar e Batticaloa, foi usado no século XVI pelo reino de Kandy como porto de exportação de elefantes e nozes de areca, e importação de bens de primeira necessidade de outros países asiáticos. Embora Barros cite Trincomalee como um dos nove reinos da ilha de Ceilão,5 este era apenas um pequeno principado sob o domínio do Vanniyar 6 de Trincomalee e Kottiyar, que era tributário e súdito, pelo menos nominalmente, do rei de Kandy. O território do Vannyar de Trincomalee era esparsamente habitado e tinha uma extensão de 23 léguas.7 Trincomalee ficava situado entre as áreas nominalmente controladas pelos reinos de Kandy e Jaffna. A presença do rio Mahaweli Ganga, que passa perto de Trincomalee, facilitou as conexões com o planalto e com Kandy, e graças a isto, um intenso tráfego de mercadorias acontecia entre os portos de Kottiyar e Trincomalee. No vilarejo de Vintêna, que ficava a três léguas de Trincomalee, os kandyanos costumavam comercializar e trocar os produtos do Ceilão (principalmente elefantes e nozes de areca) por roupas, ópio e outros bens de consumo, com os mercadores procedentes do resto da Ásia.8

De acordo com o que Queyroz escreveu, Triquilemalê significa “montanha dos três pagodas”9 , estes pagodas foram construídos pelo rei do Ceilão num elevado promontório com vista para o mar; dois deles situavam-se na extremidade de um penhasco à beira-mar, enquanto o terceiro ficava no ponto mais alto do promontório. Este último pagoda, o templo de Koneswaram, era o mais importante de todos e um dos mais venerados de toda a Índia.10 A razão principal da importância de Trincomalee era este pagoda, que Queyroz denominou a Roma das populações do Oriente ou a Roma dos pagãos.11 O templo é assim descrito, numa carta datada de 1613 escrita pelo jesuíta Frei Barradas: “[O templo é] …uma estrutura maciça, uma obra de arte singular. Era um prédio de grande altura, construído com maravilhosa habilidade em granito escuro, numa rocha que se projeta para o mar, e ocupava uma grande área no topo do promontório.”12 A vila de Trincomalee situava-se no istmo do cabo onde ficavam os pagodas.

Continua: Os primeiros contatos com os portugueses

Mapa de Sri Lanka (Ceilão) (1681). Robert Knox. An Historical Relation of the Island Ceylon.
Mapa de Sri Lanka (Ceilão) (1681). Robert Knox. An Historical Relation of the Island Ceylon.

NOTAS:

1 Denominada pelos portugueses como: Triquinimale (Bocarro “Livro das Plantas…”, vol. II, pág. 238; Bocarro “Década 13 da História da Índia”, vol. I, pág. 11, Triquilemalê (Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, pág. 66), Trinquilamale (Bocarro “Década 13 da História da Índia”, vol. I, pág. 277), Triquilimale (“Carta do Vice-Rei da Índia”, Livros das Monções, Goa, vol. 37, fls. 129-129 v).

2 O monarca do reino de Kotte se auto-denominava imperador de toda a ilha, mas a autoridade dirigida do reinado de Kotte nas primeiras décadas do século XVI se estendiam exclusivamente pelas ricas e densamente povoadas terras compreendidas entre o curso dos rios Malwatu Oya ao norte e Walawe Ganga ao sul, enquanto que para o interior alcançava o limite das montanhas do planalto central. O reino que ocupava a parte montanhosa da ilha, pobre e escassamente povoada, era o de Kandy ou Udarata; este pelo menos nominalmente reconhecia o poder do reino de Kotte. Algumas zonas pouco habitadas situadas no lado leste da ilha e sujeitas a pequenos chefes ditos “vanniyars” ou “príncipes” nominalmente reconheciam a autoridade do reino de Kotte, e até mesmo eram de fato independentes. Já na região norte da ilha ficava o reino de Jaffna; este não reconhecia as pretensões de Kotte sobre toda a ilha. Em 1521, revoltas internas levaram à divisão do reino de Kotte e à subseqüente formação de três reinos: Kotte (governado por Bhuvanekabaho VII), Sitavaka (governado por Mayadunne) e Raigama (governado por Pararajasimha).

3 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 735

Os Veddah (Bedas) são a mais antiga população aborígene original da ilha. A palavra veddah é de origem cingalesa e significa selvagem. Ainda nos dias de hoje algumas comunidades Veddah remanescem, sendo que as três mais importantes situam-se perto de Batticaloa, Trincomalee e Anuradhapura.

4 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, págs. 1153-1154

5 Barros “Década III”, pág. 117

6 Chefe hereditário

7 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 286

8 Este comércio estava principalmente nas mãos de mercadores muçulmanos. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 736

9 De acordo com os escritos de Queyroz, os pagodas foram construídos 1300 anos antes de Cristo. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, pág. 67

10 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, pág. 66 e vol. II, pág. 736

11 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, págs. 236-237

12 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 366

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Trincomalee: Bibliografia. A História de Trincomalee (Sri Lanka) durante os domínios Português e Neerlandês

Escrito por Marco Ramerini.

Continuação de: A primeira ocupação britânica e a rendição definitiva dos Neerlandeses

9.0 BIBLIOGRAFIA

MATERIAL CONSULTADO

Você também pode procurar as fontes citadas nas notas.

FONTES:

– Vários Autores “Livro das plantas, das fortalezas, cidades e povoações do Estado da Índia Oriental”, 1991 Codex n° 1471, Paço Ducal of Vila Viçosa library.

– Vários Autores “Costantine da Sa’s maps and plans of Ceylon, 1624-1628”, 1929, Colombo.

– Brohier, R.L. and Paulusz, J. H. O. “Land, maps & surveys. Descriptive catalogue of historical maps in the Surveyor General’s Office, Colombo”, vol. II, 1951, Colombo.

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– Various Authors “Documentos remetidos da Índia ou Livros das Monçỡes, 1625-1627”, 1999, Lisboa.

– da Silva Rego, António “Documentação para a história das missỡes do Padroado Português do Oriente. Índia”, 13 vols, Lisboa.

– Becker, Hendrick “Memoir of Hendrick Becker, Governor of Ceylon for his successor Isaac Augustyn Rumpf, 1716”, 1914, Colombo.

– Bocarro, António “O livro das plantas de todas as fortalezas, cidades e povoações do Estado da Índia Oriental”, 3 vols. Imprensa Nacional – Casa da Moeda.

– Bocarro, António “Década 13 da história da Índia”, 2 vols.

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– Perniola, V. “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, 3 vols. Tisara Prakasakayo Ltd, 1989-1991, Dehiwala.

– Queyroz, Fernão de “The temporal and spiritual conquest of Ceylon”, 3 vols. 28+xxviii+1274 pp. Asian Educational Services, 1992, New Delhi-Madras.- Da Silva Rego, António “Documentação para a história das missỡes do Padroado Português do Oriente. Índia”, 13 vols, Lisboa.

– Raven-Hart “The Dutch wars with Kandy, 1764-1766”, 1964, Colombo.

– Rhee, Thomas van “Memoir left by Thomas van Rhee, Governor of Ceylon, for his successor, Gerrit de Heere, 1697”, 1915, Colombo.

– Ribeiro, João “The historic tragedy of the island of Ceilão”, xvii+266 pp. Asian Educational Services, 1999, New Delhi-Madras.

– Schreuder, Jan “Memoir of Jan Schreuder, Governor of Ceylon, delivered to his successor Lubbert Jan Baron van Eck, March 17, 1762”, in: Selection from the Dutch records of the Ceylon Government, n° 5, 1946.

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ESTUDOS:

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Colonialismo britânico Colonialismo neerlandês Sri Lanka

Trincomalee: A primeira ocupação britânica e a rendição definitiva dos neerlandeses

Escrito por Marco Ramerini. 

Continuação de: A consolidação da presença neerlandesa

8.0 A PRIMEIRA OCUPAÇÃO BRITÂNICA E A RENDIÇÃO DEFINITIVA DOS NEERLANDESES

Em Dezembro de 1780 o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda declarou a guerra aos Países Baixos. A notícia chegou a Ceilão em junho de 1781 e algumas preparações foram feitas pelo governo da ilha para reforçar a defesa, tendo em vista um ataque iminente e expectável britânico: uma agressão, que logo ocorreu. Na verdade os Ingleses agiu com a rapidez e Trincomalee foi atacado imediatamente.

Em 8 de janeiro de 1782 Trincomalee foi tomado pelos ingleses. A expedição estava sob o comando do almirante Edward Hughes. Em seguida, em 29 de agosto do mesmo ano (1782) a cidade foi ocupada pelos franceses sob o comando do almirante Suffren. Os franceses eram aliados dos holandeses. A frota francesa atacou a cidade, juntamente com um destacamento de tropas holandesas, que atingira Trincomalee de Jaffna por uma rota terrestre. Os britânicos se rendeu sem lutar. Pelos termos dos contratos, que foram estipulados no Tratado de Versalhes, assinado em 1783, os franceses cederam novamente Trincomalee aos holandeses.

Na cidade de Trincomalee os holandeses abriram uma Casa da Moeda e moedas foram produzidas no período entre 1789 e 1793. A administração do território foi liderada por muitos anos pelo comandante de Trincomalee, o coronel von Drieberg, envolvendo funcionários nativos. Ele estabeleceu pessoas nas aldeias de Kottiyar e Tamblagam e o governador de Graaf também propôs a instalar pessoas em Kattekolapattu. Para o coronel von Drieberg conseguiu o último comandante holandês de Trincomalee o maior Jan George Fornbauer.1

Em janeiro 1795 as tropas revolucionárias francesas ocuparam a Holanda, onde a República Batava foi instituída. O Stadthouder fugiu para a Inglaterra. O estado das colônias holandesas foi seriamente ameaçado, porque ninguém sabia que governo foi responsável pelas colônias. Os britânicos foram os primeiros a chegar em Ceilão, exibindo as ordens do Stadhouder, pedindo a ocupação dos fortes holandeses por suas próprias tropas para mantê-los longe do francês. Posteriormente as negociações entre os britânicos e as administrações holandeses da ilha teve lugar, o que levou a um acordo preliminar, pela qual os britânicos estavam autorizados a estação de 800 soldados na ilha: 300 soldados no forte Ostenburg, 300 nos fortes de Negombo e Kalutara e 200 no forte de Matara.

O primeiro de agosto de 1795 os britânicos com uma carta, assinada pelo governador van Angelbeek, atingiu em Trincomalee pedindo sendo recebidos como aliados e permitindo-lhes a ocupação do forte Oostenburgh com 300 soldados. No entanto, Fornbauer, o comandante do forte, se recusou a entregar o forte sem ter recebido uma ordem prévia, por escrito, assinado pelo governador e os membros do conselho de Ceilão, como era prática habitual. Os britânicos não desperdiçar seu tempo em outras negociações e no 2 de agosto desembarcaram suas tropas quatro milhas ao norte da fortaleza e começou a preparar-se para o ataque.

O comandante holandês do forte como o chefe da guarnição tinha sob seu comando cerca de 500 soldados europeus, 250 malaios e 150 Sepoys. Este contingente militar resistiu por algumas semanas, mas depois de um intenso bombardeio de quatro dias, ele foi forçado a render-se em 26 de agosto 1795. A guarnição holandesa foi concedido as honras de guerra e Trincomalee foi depois ocupada pelos britânicos. Cerca de 200 homens do regimento de mercenários suíços de Meuron foram uma parte da guarnição holandesa, também. Eles foram levados prisioneiros de guerra pelos ingleses.

As perdas entre os holandeses somaram 120-130 homens, mortos ou feridos, enquanto que os Ingleses tinham 72 homens mortos ou feridos, entre eles 50 europeus. O forte Oostenburgh, que no início do ataque tinha uma guarnição de 300 soldados, dos quais 200 eram europeus, rendeu-se após um curto bombardeio alguns dias depois, no dia 31 de agosto, 1795.2

O forte de Trincomalee foi renomeado novamente pelos novos mestres Fort Frederick, e mantém este nome até hoje.

Imediatamente após a ocupação britânica, a Baía de Trincomalee foi considerada uma base da Marinha Real britânica, ficando em segundo lugar em importância, apenas ultrapassada por Cingapura. As palavras de Pitt em relação a Trincomalee são particularmente significativos: “a melhor e mais vantajosa baía em toda a Índia”, enquanto o almirante Nelson falou sobre Trincomalee como o melhor porto do mundo.

CRONOLOGIA:

  • Dinamarquês: maio 1620 – 1621.
  • Português: julho 1623 – 2 de maio de 1639.
  • Holandês: 2 de maio 1639-1640.
  • Rei de Kandy: (o forte foi destruído em 1643 e abandonado?) 1640 – setembro de 1665.
  • Holandês: setembro 1665 – 8 de janeiro 1782.
  • Francês: (o forte permanece em mãos holandesas) (março 1672 – julho 1672).
  • Inglês: 8 de janeiro de 1782 – 28 de agosto 1782.
  • Francês: 28 de agosto 1782-1783.
  • Holandês: 1783 – 26 de agosto de 1795 (Fort Oostenburg: 31 de agosto de 1795).
  • Inglês: 26 de agosto de 1795 (Fort Oostenburg: 31 de agosto de 1795).

Para ser continuado por: Bibliografia

Portão principal, Fort Fredrick, Trincomalee, Sri Lanka. Autor Bel Adone. No Copyright
Portão principal, Fort Fredrick, Trincomalee, Sri Lanka. Autor Bel Adone

NOTAS:

1 “Governor van de Graaf’s memorial to his successor Governor J.G. van Angelbeck, 1794”, in: “Ceylon Literary Register”, p. 809.

2 “The Turnour manuscript, 1795”, in: “Historical manuscripts commission, Ceylon”, n° 1 May, 1937, pp. 16-19 and also Colin-Thome “Governor van Angelbeek and the capitulation of the Dutch settlements in Ceylon to the British, 1796”, in: JDBUC, vol. LIX, n°1-4, 1981, pp. 23-55.

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Trincomalee: A consolidação da presença neerlandesa

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

Atrás: A tentativa francesa

7.0 A CONSOLIDAÇÃO DA PRESENÇA NEERLANDESA

Este período de instabilidade resultou num grande decréscimo no volume do comércio em trânsito desde Trincomalee. Os números sobre este decréscimo são discrepantes, mas aparentemente nos primeiros dez anos de ocupação holandesa o comércio de roupas havia declinado de 480 mil florins holandeses quando Kottiyar estava sob domínio kandyano para 5.342 florins em 1681. A estimativa do comércio kandyano é também certamente exagerada de acordo com S. Arasaratnam, mas mesmo assim o contraste entre as duas cifras é impressionante. O reino de Kandy encontrava-se com todos os seus portos sob domínio holandês. Trincomalee, Batticaloa e Kottiyar estavam nas mãos dos holandeses, enquanto Puttalam, situado na costa oeste, era facilmente controlado pelo forte holandês de Kalpitiya. Os distritos de Trincomalee, Batticaloa e Kottiyar eram muito importantes do ponto de vista das produções agrícolas, particularmente o arroz. Além de ser auto-suficiente para a manutenção da população local e das guarnições holandesas, os produtos agrícolas eram exportados e serviam também para sustentar a cidade de Colombo.1

Do ponto de vista administrativo, a costa leste foi inicialmente colocada sob a jurisdição do comandante de Jaffna. Em 1671, porém, os holandeses instituíram um novo comando que compreendia toda a costa leste, cuja capital era Batticaloa e que incluía Trincomalee. Tal província foi abolida poucos anos mais tarde e toda a costa leste voltou a ser administrada por Jaffna. Em Trincomalee residia um “Opperhoofd”2, o qual com a ajuda de um conselho governava a cidade e vizinhanças, ficando sob a administração de Jaffna.3 No que concerne à administração da justiça no período VOC, Trincomalee era sede de um tribunal (“Landraad”). Tudo indica que os holandeses estabeleceram em Trincomalee, na segunda metade do século XVIII, uma Tribunal Superior (“Raad van Justitie”), o qual, todavia, dependia de Colombo para as causas mais importantes.4

Após a expulsão dos franceses, o forte de Trincomalee era equipado com cem peças de artilharia e uma guarnição de 350 soldados.5 Em agosto de 1696 havia nos dois fortes (Batticaloa e Trincomalee) 236 homens. Também faziam parte da força holandesa três chalupas ancoradas em Trincomalee.6 Em 1716, o forte de Trincomalee foi considerado pelo governador Becker em suficiente situação de defesa, muito embora algumas obras defensivas estivessem longe de estar concluídas. Para melhor defender a baía de Trincomalee depois do episódio francês, foi decidida a construção de outro forte além do já existente (Pagoodsberg). Neste segundo forte havia 32 peças de artilharia e 30 soldados.7 Este novo forte foi construído poucos anos após a expulsão dos franceses, num morro a leste da entrada da baía interior, para que pudesse melhor proteger o local em caso de ataques. O forte foi chamado de Oostenburg. No mesmo ano de 1716, ainda segundo as memórias do governador Becker, o forte Oostenburg é descrito como uma pequena fortaleza de pedra, situada numa elevação a leste da entrada da baía interior, cuja finalidade era a defesa do acesso à baía.8 Para evitar que forças inimigas entrassem na baía, foi construído um dique fortificado (waterpaas) no lado oeste da entrada da baía. Na ilha Dwars-in-de-weg foi instalada uma bateria de canhões. Além disso, havia outras duas fortificações no outro lado da baía (Koddiyar). Estas fortificações possuíam uma guarnição de 30 soldados e 16 canhões cada uma. No lado sul da baía Velos havia duas paliçadas, em Cuchar e Arsalari, utilizadas para fins de taxação, cada uma delas com 16 canhões e 40 soldados.9 Perto de Trincomalee, em Erekelenchene (a pouco mais de um quilômetro de Kottiyar e cerca de um quilômetro e meio ao sul da baía de Trincomalee) , os holandeses tinham construído uma trincheira.10

Em 1696, devido ao estado crítico do comércio ao longo da costa leste e face aos veementes protestos kandyanos, os holandeses decidiram reabrir ao livre comércio os portos de Kottiyar e Batticaloa, o que levou a um benefício imediato nas relações com Kandy, havendo também um evidente incremento no volume de tráfico comercial passando pelos portos acima mencionados. Kottiyar e Batticaloa voltaram a ser, juntamente com Puttalam na costa oeste, as portas de Kandy para o exterior. Infelizmente para os kandyanos, o desenvolvimento destes portos prejudicou bastante aqueles controlados diretamente pela companhia holandesa, e isto não seria admitido pelos holandeses. Assim sendo, já em 1703 a VOC decidiu fechar outra vez aqueles portos ao comércio exterior.

Após a derrota dos portugueses, a Igreja Católica foi forçada a abandonar à própria sorte os milhares de católicos convertidos, e no final do século XVII iniciou um novo apostolado no Ceilão, a partir dos frades oradores de Goa e, principalmente, graças à missão do frei João Vaz, conhecido como o Apóstolo do Ceilão. Por volta de 1695 e depois em 1710, Trincomalee foi visitada duas vezes pelo frei João Vaz. Este fundou diversas capelas na região, assim como administrou os sacramentos à comunidade católica. Além de Trincomalee, ele também esteve em Batticaloa e Kottiyar. Em carta datada de 169711, ele indicou em Kottiyar o local onde havia uma capela e uma comunidade de cem cristãos. A partir do começo do século XVIII, com regularidade incerta, foram enviados frades às regiões de Trincomalee e Kottiyar. Em 1714, outro frade, Miguel Francisco, visitou os cristãos de Trincomalee. Em 1728, ainda outro frade, João de Sá, conseguiu chegar a Trincomalee e Kottiyar apesar da vigilância dos holandeses.12 Nos anos seguintes, os contatos entre os religiosos e a população católica no distrito de Trincomalee se multiplicaram: o frade Joseph Pereira por lá esteve em 1733 – 1734, enquanto os frades Custódio Leytão, Francisco de Monroy e João da Silveira são apenas alguns dos religiosos que visitaram ou trabalharam na região de Trincomalee entre os anos de 1733 e 1762.13

O fechamento dos portos ao comércio direto com Kandy favoreceu o desenvolvimento do contrabando, o qual interessava especialmente à costa leste da ilha, aquele onde os holandeses exerciam um controle menos severo. O comércio ilegal acontecia principalmente através de três portos: Alembiel (Alampil), Chialwatte e Moletivo (Mullaitivu). A fim de estancar este tipo de comércio, foi determinado que, na mudança da monção, algumas chalupas provenientes de Jaffna navegariam pelas águas daquelas baías. Em Mullaitivu, uma baía situada a meio caminho entre Jaffna e Trincomalee, os holandeses construíram em 1715 uma pequena fortificação (tratava-se de uma pequena estrutura de madeira com paliçadas e terra), para evitar que os wannias, os mercadores muçulmanos e os chetties utilizassem aquela baía para o contrabando com Kandy. Na fortificação havia 24 soldados europeus, um alferes e dois sargentos, além de 20 lascarinos e seu comandante.14

Durante o período holandês um caminho ruim ligava Trincomalee a Jaffna, passando por Mullaitivu. Em 1749, o assentamento holandês de Tambalagama, perto de Trincomalee, foi atacado e queimado pelos kandyanos. Subseqüentemente, em 1751, os kandyanos tentaram também bloquear o comércio para Koddiyar e Tambalagama.

De acordo com o que Jan Schreuder escreveu em suas memórias, na baía de Trincomalee localizava-se um pequeno banco de pérolas, mas a renda da região provinha principalmente do arrack (uma bebida alcoólica), dos direitos de alfândega e do jardim cultivado pela companhia.15 Em suas memórias Schreuder descreveu ainda o estado das fortificações de Trincomalee: a vala do forte ainda não havia sido concluída e, devido à falta de mão-de-obra, o waterpas sob o forte de Ostenburg, assim como o forte em si, também não tinhamsido acabados.16

A partir de 1760, os ingleses freqüentemente utilizavam a baía de Trincomalee como local de ancoragem para suas próprias embarcações. Na época (1762), um enviado inglês, John Pybus, desembarcou em Kottiyar e chegou a Kandy. Esta intrusão inglesa perturbou os holandeses, que haviam declarado guerra a Kandy, pois estes temiam uma aliança entre a Inglaterra e Kandy.

Durante a guerra contra Kandy (1761 – 1766), os holandeses usavam Trincomalee como base para as incursões ao território kandyano. Em 1763, os territórios sob controle holandês estendiam-se no interior até Minneriya e Madavacchiya. Além disso, tropas holandesas de Trincomalee conseguiram ocupar Matale. Em virtude do tratado de paz de 1766, as terras de Tamblagam, Kottiyar e Kattekolapattu tornaram-se possessões holandesas. Também a área controlada pelos holandeses que incluía Batticaloa estendeu-se consideravelmente; os holandeses tomaram posse de importantes distritos agrícolas (onde o principal produto era o arroz) na área de Trincomalee e Batticaloa. O tratado de paz levou o controle holandês ainda mais longe, ao longo de toda a região costeira da ilha, resultando que Kandy encontrou-se sem uma saída para o mar, cercada pelo território da companhia. Com este tratado os holandeses controlavam totalmente o comércio kandyano, assim como as relações externas do reino de Kandy. Como se isto não bastasse, Kandy dependia da companhia para seus suprimentos essenciais de sal e peixe seco. O território ao redor de Batticaloa, que havia sido controlado pelo reino de Kandy até 1763 – 1766, era de grande importância para a subsistência do reino. Na verdade, as férteis planícies da província de Batticaloa eram conhecidas como o celeiro de Kandy. A perda do controle destas imensas planícies cultivadas aconteceu em definitivo com o tratado de 1766, o qual causou um marcante empobrecimento do reino de Kandy. Durante a guerra contra Kandy, a consistência das guarnições holandesas na ilha aumentou consideravelmente, o mesmo acontecendo com os dois principais fortes da costa leste, Trincomalee e Batticaloa. Em 1764, ambos tinham em conjunto uma guarnição de 881 soldados, dos quais 448 eram europeus, 228 orientais e 205 sepoys.17

Após a conquista dos novos territórios agrícolas na vizinhança de Trincomalee, os holandeses pensaram em restaurar os velhos reservatórios de Kantalai e Vendarasen Kulam, para novamente poder desenvolver as potencialidades agrícolas do distrito. Com o mesmo propósito, um mapa da província de Tamblegam foi feito em 1793 pelo agrimensor Struys e pelo engenheiro Fornbauer, sendo este o último comandante holandês de Trincomalee.18

Em 1777, o rei de Kandy, Kirti Sri Rajasinha, iniciou novas negociações com os franceses. Ele entrou em contato com o governador francês de Pondicherry oferecendo as baías de Trincomalee e Batticaloa em troca de ajuda francesa para expulsar os holandeses da ilha. Os franceses consideraram seriamente a oferta, mas a eclosão da guerra entre a Grã-Bretanha e a Holanda, com a França aliando-se aos holandeses, pôs um fim às negociações.

Continua: A primeira ocupação inglês ea rendição definitiva holandês

Fort Oostenburg (1726), Trincomalee, Sri Lanka. Autor Valentijn 1726c
Fort Oostenburg (1726), Trincomalee, Sri Lanka. Autor Valentijn 1726c

NOTAS:

1 “Memoirs left by Riclof van Goens, Jun. 1675-1679”. pág. 5.

2 Oficial europeu no comando de um pequeno distrito.

3 “History of Sri Lanka”, vol. II, págs. 346-347.

4 “History of Sri Lanka”, vol. II, págs. 356-374.

5 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 1196.

6 “Memoir of Thomas van Rhee, 1697”, págs. 52-53.

7 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 1196.

8 “Memoir of Becker, 1716”, págs. 26-27.

9 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 1196.

10 Um mapa holandês é testemunha disso, o mesmo se encontra no Rijkscarchief Eerste Gedeelte, em Haia.

11 Perniola “The Catholic Church in Sri Lanka: the Dutch period, 1658-1711”, vol. I pág.122.

12 Vedi Boudens “The catholic Church in Ceylon under Dutch rule”, págs. 89-131.

13 Vedi Boudens “The catholic Church in Ceylon under Dutch rule”, págs. 132-157.

14 “Memoir of Becker, 1716”, pág. 17.

15 Schreuder, J. “Memoir of Jan Schreuder”, pág. 89.

16 Schreuder, J. “Memoir of Jan Schreuder”, págs. 91.

17 Raven-Hart “The Dutch wars with Kandy, 1764-1766”, págs. 56.

18 Brohier “Land, maps and surveys”, págs. 135-136; Brohier “Links between Sri Lanka and The Netherlands”, pág. 128.

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Colonialismo francês Colonialismo neerlandês Sri Lanka

Trincomalee: A tentativa francesa

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

Atrás: A nova ocupação neerlandesa e a reconstrução do forte

6.0 A TENTATIVA FRANCESA

Um novo perigo ameaçava as possessões holandesas no Ceilão, e ele se materializou em março de 1672, na forma de uma grande frota francesa, sob o comando do almirante De La Haye. No período de 1665 a 1670, guiados por Colbert e com a ajuda de François Caron, um homem de grande experiência e ex-diretor geral da VOC na Ásia, os franceses haviam desenvolvido um plano de expansão para o continente asiático à custa dos holandeses. Deste plano constava a fundação de um importante posto comercial em Trincomalee.

A frota francesa, comandada pelo tenente-general da Índia, Jacob Plaquet de la Haye, lançou velas do porto francês de Rochefort em 29 de março de 1670, e era composta por nove navios, levando a bordo 2250 homens e 251 canhões. Ao chegar à baía de Trincomalee em 22 de março de 1672, a esquadra francesa representava um enorme poderio naval para os mares da Índia.

Em março de 1672, quando da chegada da frota francesa de De La Haye e Caron, os holandeses abandonaram e queimaram seu posto avançado na baía de Kottiyar, cuja guarnição procurou abrigo no forte de Trincomalee. Os holandeses abandonaram 21 canhões no forte destruído. A guarnição holandesa de Trincomalee foi forçada a se defender e permaneceu dentro das muralhas do forte para observar a movimentação dos franceses.

Os franceses escolheram a formosa baía de Trincomalee / Kottiyar como base de suas futuras operações na Ásia. Sob o olhar dos holandeses, protegidos em seu forte de Pagoodsberg, os franceses ocuparam e fortificaram as duas ilhas situadas na entrada da baía: a que eles chamavam de “Isle Du Soleil” (“Dwars-in-de-weg”, ou Ilha do Sol) e a denominada “Caron” (“Compagnies Eyland”), ocupando ainda o posto avançado da baía de Koddiyar. O oficial Boisfontaine, com 30 soldados, foi enviado em seguida à corte de Kandy, na qualidade de embaixador francês. Ele foi bem recebido pelo rei, que desejava poder expulsar os holandeses da ilha, com os quais estava em guerra.

No dia 28 de maio de 1672 os franceses assinaram um tratado com Raja Sinha, através do qual as baías de Trincomalee e Kottiyar eram cedidas pelos cingaleses aos franceses. Na ocasião foram erigidos alguns pilares para delimitar os limites do território cedido. O principal problema para a grande frota francesa era o fornecimento de alimentos. Assim que os franceses se deram conta de que a comida proveniente de Kandy não era suficiente para alimentar um exército tão grande, três navios foram enviados à Índia à procura de suprimentos para solucionar o problema. Poucos dias depois da assinatura do tratado com os cingaleses, a frota holandesa de Van Goens chegou à baía. Com um desembarque em Tambalagama, os holandeses inicialmente tentaram bloquear a linha de suprimentos que vinham do interior para os franceses, mas um ataque imediato das tropas kandyanas forçou Van Goens a retirar seus homens para os navios. Os kandyanos pediram ajuda aos franceses para combater os holandeses conjuntamente, mas aqueles se recusaram, já que estavam formalmente em paz com a Holanda. Esta recusa esfriou bastante o entusiasmo dos cingaleses em relação à expedição francesa.

Os holandeses, porém, desconsideraram a paz com os franceses, e na primeira oportunidade que surgiu, ele atacaram e conseguiram capturar dois dos navios que os franceses haviam enviado à Índia em busca de alimentos, sendo que o terceiro navio foi forçado a retornar. Para as tropas francesas, a situação ficava cada vez mais dramática. Apesar da ajuda de Raja Sinha, doenças e a falta de comida provocaram muitas mortes entre os franceses. Em 9 de julho de 1672, o almirante De La Haye, após ter enviado outro embaixador (De La Nerolle) à corte de Kandy, decidiu partir com toda a frota em busca de socorro, deixando na fortificação da baía uma guarnição de cem homens e dois barcos. Os holandeses não perderam tempo, atacando a guarnição e fazendo com que os franceses entrincheirados no forte se rendessem. Um numeroso contingente de tropas kandyanas chegou a Trincomalee poucos dias depois da partida da frota francesa, mas já era tarde demais. O curto período francês estava encerrado, juntamente com as esperanças kandyanas de expulsar os holandeses da ilha.1

Continua: A consolidação da presença holandesa

Plano de Fort Trincomalee, feita pelo Chevalier de Suffren em agosto 1782
Plano de Fort Trincomalee, feita pelo Chevalier de Suffren em agosto 1782

NOTAS:

1 Em relação ao episódio francês, pode-se consultar: Ames, G. J. “A Portuguese perspective on the emerging French presence in the East ca. 1670”, in: “Studia”, n° 46/1987, págs. 254-286; “History of Sri Lanka”, vol. II, págs. 223-225; Arasaratnam “Dutch power in Ceylon, 1658-1687”, págs. 62-63.

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Colonialismo neerlandês Sri Lanka

Trincomalee: A nova ocupação neerlandesa e a reconstrução do forte

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

Atrás: A conquista neerlandesa eo abandono do forte

5.0 A NOVA OCUPAÇÃO NEERLANDESA E A RECONSTRUÇÃO DO FORTE

Durante os anos, que se seguiram, os neerlandeses aparentemente mantiveram apenas um pequeno posto-avançado na baía de Kottiyar1, mas isso não é fato comprovado. O que realmente se sabe é que em 1660 os holandeses enviaram uma expedição sob o comando de van Rhee e Wasch com o propósito de ocupar novamente Trincomalee, a fim de evitar contatos entre o rei de Kandy e os ingleses, os quais, ao que parece, tinham intenção de estabelecer um pequeno posto-avançado em Kottiyar. A reação do rei de Kandy foi oportuna, e este imediatamente enviou um numeroso exército para não permitir que os holandeses atingissem o seu propósito. Ele foi bem sucedido e os holandeses tiveram que retroceder.2

Naquela ocasião, tendo expulsado os portugueses do Ceilão, após a queda de Jaffna em 1658, os holandeses estavam novamente interessados em Trincomalee, quando ocorreu uma rebelião na corte kandyana em 1664. Quando isto aconteceu, Raja Sinha pediu ajuda aos holandeses para patrulhar a costa leste da ilha, a fim de evitar a fuga dos rebeldes, os quais ele temia que pudessem receber ajuda ou fugir por um dos portos da costa leste. Em setembro de 1665, os holandeses, tendo recebido notícias que indicavam que um navio inglês havia chegado à baía de Trincomalee e estabelecido, através de um embaixador, contatos com o rei de Kandy, decidiram que, além de patrulhar a costa leste, havia a necessidade de tomar Trincomalee outra vez. Com este propósito, foi enviada uma expedição com dois navios e cem soldados sob o comando do capitão Pierre Du Pon. As tropas reconstruíram o forte no local onde ainda havia ruínas do velho forte português.3

A nova fortaleza de Trincomalee foi equipada com 4 bastiões principais (denominados de Zeeburg, Amsterdam, Enkhuizen e Holland). Destes, Zeeburg e Amsterdam eram protegidos por uma trincheira que dividia a península em duas partes e isolava o forte do resto da cidade. Zeeburg era o maior dos dois, ficando também mais ao norte que os outros, situado na baía Back. Ao longo da mesma baía ficava a plataforma de armas denominada Cat, sendo que uma muralha ligava esta plataforma ao bastião Zeeburg, havendo uma pequena entrada no ponto central da muralha. O bastião Amsterdam era o que ficava situado mais ao sul, ficando de frente para a baía Dutch, assim como os outros dois bastiões, Enkhuizen e Holland. Estes dois eram conectados ao Amsterdam através de uma muralha. A meio caminho aproximadamente entre os bastiões Amsterdam e Enkhuizen ficava a entrada principal do forte.4

Em 1668 as fortificações de Kottiyar e Batticaloa também foram retomadas e incrementadas. Em 1670, Pieter de Graauw, então no comando de uma companhia de tropas holandesas, através de acordos de proteção e vassalagem com alguns chefes da costa leste, estendeu o controle holandês para grande parte daquela região5, mas tal domínio teve curta duração. Na verdade, poucos meses mais tarde, em agosto de 1670, devido a um ataque maciço do rei de Kandy à toda a costa leste, os holandeses foram obrigados a buscar refúgio em seus fortes de Trincomalee e Batticaloa.6 Em Trincomalee, os holandeses perderam 24 soldados e 22 lascarinos em confronto com os kandyanos.7

Continua: A tentativa francesa

Fort Fredrick, Trincomalee, Sri Lanka. Autor Bel Adone. No Copyright
Fort Fredrick, Trincomalee, Sri Lanka. Autor Bel Adone

NOTAS:

1 Nelson “The Dutch forts of Sri Lanka”, (1) pág. 117.

2 Arasaratnam “Dutch power in Ceylon, 1658-1687”, (2) págs. 18-19.

3 Herport “A Short description…”, (3) publicado em: Raven-Hart “Germans in Dutch Ceylon”, vol. I, pág. 34.

Também Baldeus escreveu sobre o capitão Peter du Pon e sua expedição a Trincomalee. Baldeus “A description of East India …”, pág. 819; Arasaratnam “Dutch power in Ceylon, 1658-1687”, pág. 33.

4 Nelson “The Dutch forts of Sri Lanka”, págs. 124-131.

5 (5) Ao sul de Batticaloa, no mesmo período, os holandeses construíram diversos postos avançados fortificados em Panama, Yala e Magama. Em Chinnecallette Delle (a aproximadamente 7 ou 8 quilômetros ao sul do rio de Batticaloa), os holandeses também construíram um entrincheiramento..

6 “History of Sri Lanka”, vol. II, pág. 215-219; Arasaratnam “Dutch power in Ceylon, 1658-1687”, págs. 42-43.

7 “Heer van Rheede: report on Ceylon, 1677”.

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Trincomalee: A conquista neerlandesa e o abandono do forte

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

Atrás: A chegada dos dinamarqueses e neerlandeses e a construção do forte português

4.0 A CONQUISTA CONQUISTA NEERLANDESA E O ABANDONO DO FORTE

O primeiro ataque dos neerlandeses contra os fortes portugueses do Ceilão foi dirigido à costa leste da ilha, onde os portugueses não eram tão fortes. O primeiro objetivo foi o forte de Batticaloa.

Em 9 de abril de 1638, o comandante holandês Coster chegou a Batticaloa com três navios; no dia 10 de maio, cinco outros navios holandeses chegaram ao local, e quatro dias mais tarde, foi a vez das tropas do rei de Kandy, com 15 mil homens. O forte foi bombardeado e no dia 18 de maio de 1638, após uma resistência pífia de apenas quatro horas, a guarnição do forte de Batticaloa foi forçada a se render.1 Durante o ataque holandês, cerca de 700 pessoas haviam procurado refúgio no forte, sendo 50 deles portugueses e mestiços; os restantes eram habitantes nativos que residiam na vila próxima ao forte, a qual tinha sido incendiada pouco antes do ataque dos holandeses. Todos os oficiais e soldados portugueses foram deportados para a cidade de Negapatam, que estava sob controle português, situada na costa de Coromandel, enquanto aos mestiços e aos outros habitantes de Batticaloa foi permitido permanecer no local.2 Depois da conquista, os holandeses deixaram no local uma guarnição de cem soldados sob o comando de Willem Jacobsz Coster, que havia comandado as tropas holandesas no cerco ao forte.

Como conseqüência da vitória obtida em Batticaloa, e após algumas tentativas mal sucedidas, os holandeses, sob o comando do almirante Westerwold, conseguiram fazer o rei de Kandy, Rajasinha II, assinar um tratado de aliança anti-português, no qual os holandeses prometiam se engajar na ajuda a Rajasinha II em sua guerra contra os portugueses, obtendo em troca o monopólio do rico comércio da ilha. Foi assim que, em virtude do tratado de aliança com Rajasinha, os holandeses atacaram os outros assentamentos portugueses ao longo da costa do Ceilão, com a ajuda das tropas do reino de Kandy.

O forte de Trincomalee foi o segundo objetivo a cair nas mãos dos holandeses, e foi conquistado após um curto cerco, durante o qual, segundo o que é narrado por Ribeiro, 23 soldados da guarnição portuguesa foram mortos.3

O comandante holandês Antonio Caen nos auxilia com seu diário na descrição dos eventos. Ele descreve os preparativos para o cerco, o bombardeio do forte português e a rendição da guarnição.4 A frota sob o comando de Caen era composta por 11 navios, com 353 canhões e 1280 homens a bordo, dos quais 325 eram soldados e os demais marinheiros.5 Os navios holandeses chegaram à baía de Coutijar ao anoitecer de 18 de abril de 1639, e lá os holandeses encontraram o governador de Samantura (Sammanture), que havia chegado por terra de Batticaloa. No dia seguinte, o waniya6 de Kottiyar visitou os holandeses, descrevendo com detalhes as defesas do forte e a consistência da guarnição portuguesa. De acordo com o testemunho do waniya, o forte tinha dimensões semelhantes ao de Batticaloa, contando com três bastiões. O bastião voltado para a terra e o que vigiava a baía contavam com seis canhões cada, enquanto que o bastião que controlava o mar tinha apenas dois canhões. Todas as peças de artilharia eram de ferro e haviam sido retiradas de um navio dinamarquês que tinha naufragado na baía cerca de vinte anos antes. A guarnição era composta por 40 portugueses e aproximadamente cem mestiços e negros. Além desses, havia uns 30 casados com suas famílias.

No dia 20 de abril, um grupo de soldados holandeses chefiados pelo vice-comandante Coster fez uma inspeção da defesa do forte, durante a qual foram localizados alguns pontos fracos. No dia seguinte, com dois botes, eles exploraram o lado nordeste do forte. No dia 22 de abril, cerca de 60 soldados foram desembarcados para inspecionar o forte mais de perto. Eles chegaram tão perto que a guarnição portuguesa disparou dois tiros de advertência.

No dia 23 de abril de 1639, de manhã cedo, os holandeses desembarcaram 40 marinheiros e vários soldados, os quais começaram a abrir um caminho para tornar possível o transporte de artilharia para um cerco, tendo sido escolhido um local para a instalação de uma bateria. Enquanto estes trabalhos progrediam, os portugueses do forte dispararam vários tiros de canhão e mosquete com o propósito de atrapalhar os holandeses. Um grupo de 30 negros tentou um ataque, que foi repelido pelos soldados holandeses.

Na manhã seguinte, outros marinheiros e soldados desembarcaram, os quais começaram a trabalhar na instalação de baterias. Os portugueses tentaram um novo ataque, e na escaramuça que se seguiu, um holandês foi mortalmente ferido. Os holandeses continuaram a trabalhar nas baterias durante todo o dia, e mais canhões foram desembarcados dos navios. Quando a noite chegou, a construção de três casamatas estava praticamente terminada.

No dia 25 de abril, cinco soldados da guarnição do forte desembarcaram num pequeno bote perto do local onde os holandeses estavam escavando trincheiras. Seguiu-se um enfrentamento durante o qual um soldado holandês foi ferido e um negro morreu. Apesar dessas inconveniências, ao anoitecer os holandeses haviam acabado a construção de dez canhoneiras (baterias), sendo que quatro delas já estavam cercadas por paliçadas. Durante o dia 26 houve a primeira troca de salvas de artilharia entre o forte e as baterias holandesas. Durante toda a tarde os portugueses bombardearam intensamente as posições holandesas, porém, como informa Caen em seu diário, os projéteis de canhão utilizados pelos portugueses eram, na sua maioria, feitos de pedra, o que denota a falta de balas de ferro para os canhões. Os holandeses, por seu lado, bombardearam algumas defesas que os portugueses estavam construindo perto da entrada principal do forte. A troca de tiros terminou com dois holandeses feridos e um negro morto. Subseqüentemente, outras peças de artilharia foram desembarcadas dos navios e instaladas nas baterias, que agora estavam praticamente concluídas. Para evitar qualquer tipo de comunicação ou ajuda vinda do mar para os sitiados, dois navios, o “Ryswyck” e o “Nachtegael” foram enviados para vigiar o lado do forte voltado para o mar. No dia seguinte, os trabalhos continuaram incessantemente, apesar dos tiros vindos do forte.

No dia 28 de abril, ao final da manhã, o navio “Cleyn Amsterdam” chegou de Batticaloa, com o embaixador Jacob Compostel a bordo. Ele trouxe a notícia de que Rajasinha estava envolvido no ataque aos portugueses nas cercanias de Colombo, e assim não poderia juntar-se aos holandeses. No entanto, ele informou Caen que em breve enviaria alguns mudaliyars7 com uma força de 4000 soldados para ajudá-lo no sítio a Trincomalee. As tropas holandesas sofreram muito em conseqüência do clima da região, e Caen informa que muitos homens morreram por esta razão. Decidiu-se apressar o ritmo, para que tudo estivesse pronto no dia 1° de maio. Na tarde de 28 de abril, Caen desembarcou para verificar os trabalhos. Os soldados foram organizados em três companhias formadas por 70 soldados cada uma, e, além disso, foi formada uma quarta companhia, esta composta por soldados e marinheiros. As tropas foram passadas em revista. Nos dois dias que se seguiram, os trabalhos nas baterias foram terminados e todas as peças de artilharia foram posicionadas.

Em 1° de maio de 1639, uma hora antes do alvorecer, todos os soldados foram desembarcados. Os holandeses decidiram dirigir o ataque principal contra o bastião norte8 mas ao mesmo tempo também o bastião Sta. Cruz, situado mais a oeste, foi bombardeado, para que não fosse utilizado pelos portugueses. O efeito do bombardeio nas defesas do forte foi devastador; depois de uma hora e meia de intensa troca de tiros, praticamente todas as armas portuguesas haviam sido destruídas, e a guarnição conseguia atirar somente com os mosquetes. Após três horas de bombardeio contínuo, uma larga brecha tinha sido aberta no bastião S. Jago, possibilitando que os holandeses entrassem facilmente no forte. Caen decidiu então que havia chegado a hora de enviar o tenente Blaauw com um soldado tocando um tambor e portando uma bandeira branca, para propor à guarnição portuguesa uma rendição em termos favoráveis; os negociadores, todavia, foram recebidos a tiros e forçados a uma rápida retirada. Depois deste comportamento desonroso por parte da guarnição portuguesa, o bombardeio do forte foi retomado e, após uma reunião no navio “Armuyden”, ficou decidido que, na manhã seguinte, seria preparado um ataque ao bastião S. Jago e à muralha ao lado do bastião Sta. Cruz. O bastião S. Jago foi descrito na reunião como quase inteiramente demolido, e suas armas fora de combate, já que desde as dez horas da manhã não houve qualquer disparo vindo do forte. Um plano detalhado para o assalto final ao forte foi acordado, o qual previa a participação de 514 homens, entre soldados e marinheiros.

Enquanto os preparativos dos planos do assalto estavam bem avançados, dois capitães portugueses chegaram do forte portando uma bandeira branca, enviados pelo comandante da fortificação, pedindo desculpas pela recepção anterior dada aos negociadores, a qual havia sido feita por soldados inexperientes. Caen os intimou a se renderem, dada a miserável condição à qual o forte tinha sido reduzido pela artilharia holandesa, mas eles resolutamente recusaram-se a fazê-lo, dizendo que dentro do forte havia uma guarnição de 300 portugueses, e que apenas um negro e um kanares tinham sido mortos pelos bombardeios. O comandante holandês determinou que os dois fossem colocados sob custódia e mandou continuar os preparativos para o ataque.

Na madrugada de 2 de maio, enquanto os soldados holandeses preparavam-se para o assalto definitivo, um padre e outra pessoa portando uma bandeira de trégua avançaram do forte. Eles declararam que estavam ali para negociar a rendição; os portugueses pediam para que fossem deixados livres para abandonarem o forte levando suas provisões e seus escravos, e que os pescadores (Careas) 9pudessem segui-los. Caen cedeu em parte às demandas, mas negou a permissão para que os pescadores seguissem os portugueses. Além disso, ele limitou as opções de locais para onde os portugueses poderiam ir a Tranquebar e Nagapatnam, não permitindo peremptoriamente que eles se transferissem para Jaffnapatnam ou qualquer outro lugar no Ceilão. O padre, depois de ter estas condições asseguradas pelos holandeses, retornou ao forte para relatar ao comandante português as condições da rendição. Enquanto isso, rapidamente, as tropas holandesas aproximaram-se do forte para um possível assalto. O padre retornou em seguida, entregando as chaves do forte e declarando que a guarnição havia aceitado as condições de rendição. Uma companhia de soldados holandeses entrou então no forte, ordenando que os soldados da guarnição abandonassem suas armas no forte e deixassem seus nomes num registro. O comandante do forte, Francisco Deça10 juntamente com seus capitães e soldados da guarnição, aguardaram por Caen e, como sinal de submissão, entregou a Caen sua espada. Este, em sinal de cortesia, devolveu a espada ao comandante português. Foi, portanto, em 2 de maio de 1639, depois de alguns dias de cerco11 que terminou o breve período de ocupação portuguesa em Trincomalee.

Os holandeses encontraram o forte em estado deplorável. Os canhões dos bastiões S. Jago e Sta. Cruz haviam sido arrancados de suas bases e estavam sob as ruínas da muralha.12 Segundo o testemunho de Caen, duas horas depois da ocupação do forte chegaram os reforços prometidos por Rajasinha, cerca de 3000 combatentes comandados por dois mudaliyars. Mais tarde, uma cerimônia de ação de graças pela vitória foi celebrada dentro da igreja portuguesa. As baixas holandesas foram de dois mortos e dois feridos, enquanto que no lado português morreram 11 europeus, um mestiço e dois kanars, além de nove feridos.13 Depois da conquista do forte houve alguns episódios de violência contra os habitantes portugueses, o que forçou Caen a publicar um “placaat”14 no qual ele ameaçava enforcar os culpados por tais ações, fossem eles holandeses ou cingaleses.

De acordo com a versão holandesa dos fatos, os dois mudaliyars chegaram com suas tropas logo após a ocupação do forte, e logo demandaram que este ficasse sob o controle de suas tropas. Os holandeses responderam exibindo o tratado assinado pelo rei, no qual estava claramente indicado que os fortes capturados deveriam ser ocupados por guarnições holandesas.15 Assim sendo, os holandeses se acharam no direito de ocupar o forte com sua própria guarnição. O comando da guarnição do forte ficou a cargo do fiscal Gerrit Herbers. A ocupação pelos holandeses do forte de Trincomalee, sem a cessão do mesmo as suas tropas, irritou sobremaneira o rei de Kandy, que protestou veementemente junto aos holandeses por não terem cedido aos seus desejos. Ele chegou ao ponto de bloquear o carregamento de suprimentos para as tropas da guarnição do forte, mas voltou atrás quando sua ira amainou.

No mesmo ano, os holandeses reconstruíram e reforçaram o forte, mas no ano seguinte (1640), como resultado de um acordo com os kandyanos, a edificação foi abandonada 16 e, em troca de dez elefantes, cedida ao rei de Kandy17, Poucos anos depois, o forte foi demolido (talvez em 1643) pelos kandyanos. Em 1641 também o forte de Batticaloa foi cedido aos kandyanos, que imediatamente o demoliram. A razão da cessão dos dois fortes ao rei deve ser pesquisada mais profundamente, já que, além da demanda contínua do rei pelas duas fortificações, existe o fato de que os holandeses perceberam que os territórios onde ficavam as fortificações dariam pouco lucro.18

Os portos da costa leste, Trincomalee, Kottiyar e Batticaloa, foram utilizados durante o período em que estiveram sob o controle do reino de Kandy como portos de livre comércio com os outros reinos asiáticos, assim como com outras potências da Europa, principalmente Inglaterra19 e Dinamarca, fato que irritou bastante os holandeses. Através dos três portos os kandyanos comercializavam arroz, marfim, elefantes, areca, mel, madeira, tecidos e outros bens de primeira necessidade. O porto de Kottiyar, em particular, foi intensamente utilizado pelos kandyanos. Lá existia um posto de alfândega que funcionou até 1668, ano no qual os holandeses voltaram a ocupar a região. Depois desta ocupação, a alfândega foi transferida mais para o interior da ilha, em Minneriya. Uma estrada ligava o planalto de Kandy a Matale e Kottiyar, seguindo em sua maior parte o curso do rio Mahaveli Ganga. Toda esta região utilizava o porto de Kottiyar para o comércio com o exterior. Um mercado onde a troca de mercadorias acontecia foi implantado em Killevetty, a poucas milhas da costa. Em Kottiyar estabeleceu-se também uma colônia de chetties.

Continua: A nova ocupação holandesa e a reconstrução do Forte

Mapa de Trincomalee por Antonio Bocarro (1635). Livro das Plantas de todas as fortalezas, cidades e povoaçoens do Estado da Índia Oriental (1635)
Mapa de Trincomalee por Antonio Bocarro (1635). Livro das Plantas de todas as fortalezas, cidades e povoaçoens do Estado da Índia Oriental (1635)

NOTAS:

1 Goonewardena, pág. 17.

2 Seus descendentes, aproximadamente 2000 pessoas, ainda hoje falam um português crioulo, e são católicos.

3 Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, págs. 105-106.

4 Em: J.R.A.S. (Ceylon) n°35 (1887) “The capture of Trincomalee A.D. 1639”, págs. 123-140.

5 Os nomes dos navios eram: “Utrecht”, “Henrietta Louisa”, “Egmont”, “S. Hertogenbosch”, “Wassenaar”, “Der Veer”, “Armuyden”, “Valkenburgh”, “Reyneburch”, “Onderwater”, “Zeeuwsch Nachtigael”. O diário de Caen indicava que a nave capitânia era o “Armuyden”.

6 Chefe hereditário.

7 Um chefe militar.

8 Denominado S. Jago por Caen e segundo descrição de Bocarro era chamado Sancto Antônio.

9 Casta de pescadores tamis.

10 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 817.

Francisco Deça era um homem casado de Colombo; ele logo retornaria ao Ceilão, porque ele é mencionado por Queyroz entre os feridos na batalha de Caymel (Kammala) em dezembro de 1639 (segundo Goonewardena, em janeiro de 1640 “The foundation of Dutch power…”, pág. 31), contra os holandeses. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 823.

11 Queyroz indica a duração do cerco como sendo de 40 dias de bombardeio. O diário de Caen, entretanto, claramente relata que os holandeses chegaram a Trincomalee no dia 18 de abril de 1639, e o forte rendeu-se no dia 2 de maio (14 dias, portanto). Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 817.

12 O estado deplorável ao qual os bastiões do forte foram reduzidos deveu-se também a sua construção falha, já que as paredes continham terra no seu interior. Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, pág. 105.

13 Isto de acordo com o diário de Caen, enquanto segundo Ribeiro os mortos entre os portugueses foram 23 de um total de 50 homens da guarnição. Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, pág. 105.

14 Uma ordem.

15 Em: J.R.A.S. (Ceylon) n°35 (1887) “The capture of Trincomalee A.D. 1639”, págs. 123-140, também em Goonewardena, pág. 28.

16 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 848.

17 Winius “Fatal history of Portuguese Ceylon”, págs. 43-44.

18 Goonewardena, pág. 65 e nota 24, pág. 77.

19 Em 1659 chegou a Kottiyar um navio inglês, a bordo do qual estava Knox.

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Trincomalee: A chegada dos dinamarqueses e neerlandeses, e a construção do forte português

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

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3.0 A CHEGADA DOS DINAMARQUESES E NEERLANDESES, E A CONSTRUÇÃO DO FORTE PORTUGUÊS

A importância estratégica do controle sobre as baías e portos da costa leste do Ceilão ficou clara coma chegada dos primeiros contendores europeus aos mares da Ásia. Na verdade, o primeiro contato entre os holandeses e o rei de Kandy tinha acontecido em 1602 na região de Batticaloa. Em junho daquele ano, o almirante holandês Joris Van Spilbergen desembarcou naquele local e de lá prosseguiu em direção a Kandy, na tentativa de estabelecer uma aliança contra os portugueses. Spilbergen teve sucesso ao obter proteção e privilégios de comércio para os mercadores holandeses, e partiu de regresso à Europa em setembro de 1602. Três meses mais tarde, outra expedição holandesa chegou a Batticaloa, tendo em seu comando o vice-almirante Sebald de Weert. Este foi inicialmente recebido com grande entusiasmo pelo rei de Kandy, Vimala Dharma Suriya I, mas em sua segunda visita ao rei, devido a seu mau comportamento, as relações se deterioraram e de Weert foi morto. A costa leste, especialmente Batticaloa, era na época o local preferido de desembarque das frotas holandesas na tentativa de contato com o rei de Kandy.

Todavia, os primeiros europeus que tentaram estabelecer um assentamento inicial em Trincomalee não foram nem os portugueses nem os holandeses, mas sim os dinamarqueses. Eles chegaram ao Ceilão no final de 1619 com um primeiro navio, chamado “Oresund”, sob o comando de Roelant Crape. Esta pequena expedição era na realidade a vanguarda de outra frota dinamarquesa, esta composta por quatro navios e trezentos soldados, comandada por Ove Giedde, a qual chegou à ilha em maio de 1620. Esta expedição havia sido equipada pela Companhia Dinamarquesa das Índias Orientais1 a qual, tentando imitar o sucesso da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC), queria tentar a sorte nos mares asiáticos.

A expedição dinamarquesa ocupou o templo de Trincomalee, e foi ali que os dinamarqueses começaram os trabalhos de fortificação da península. No início, o rei de Kandy, Senarat, foi um tanto frio em relação aos dinamarqueses. Ele tinha, na verdade, pouco tempo antes (agosto de 1617), concluído um tratado de paz com os portugueses, e Senarat entendia que a pequena expedição dinamarquesa jamais poderia destruir o poder português na ilha, assim que ele inicialmente sugeriu que os dinamarqueses formassem uma aliança com Mayadunne2, o qual ainda estava em guerra contra os portugueses. Contudo, mais adiante, ele consentiu em assinar uma aliança com a companhia dinamarquesa e, em 21 de agosto de 1620, foi assinado um tratado de aliança entre os dinamarqueses e o rei Senarat, contra os portugueses. O rei enviou 60 homens a Trincomalee para ajudar os dinamarqueses na construção do forte. Durante sua permanência em Trincomalee, os dinamarqueses cunharam algumas moedas (“larins”), nas quais foram gravadas as palavras “Don Erich Grubbe”. Não existe hoje nenhum traço dessas moedas, a não ser no diário de Ove Giedde.3 Queyroz também nos informa sobre esta expedição dinamarquesa: ele relata que cinco grandes navios dinamarqueses estavam no porto de Trincomalee, onde, com a ajuda dos cingaleses, estava sendo construído um palácio fortificado. Os portugueses não ficaram nada satisfeitos com esta nova intrusão nos assuntos da ilha e reagiram prontamente: O Capitão Geral marchou sobre Trincomalee e enviou os capitães Cabral e Barreto a Kottiyar, onde um dos navios inimigos estava ancorado. Os dinamarqueses foram forçados a uma retirada apressada, na qual perderam dois navios e alguns homens.4 Subseqüentemente, em 1621, os dinamarqueses, dizimados por doenças, abandonaram o empreendimento.

Após esta tentativa dinamarquesa, os portugueses compreenderam a urgência de pelo menos estabelecer uma base fortificada na costa leste do Ceilão, para melhor poderem controlar o tráfego de mercadorias ao longo da costa e o próprio reino de Kandy. Os portugueses acreditavam, erradamente, que os dinamarqueses haviam sido chamados pelo rei Senarat, sendo desrespeitado assim o tratado de paz assinado em agosto de 1617. Entrementes, a coroa portuguesa, primeiro em 1619 e depois outra vez em 1620, tinha enviado novas ordens para as fortificações de Trincomalee e Batticaloa, mas isto significava quebrar o tratado de paz e reiniciar o conflito com Kandy. As notícias sobre a expedição dinamarquesa não fizeram mais do que confirmar para os portugueses a necessidade de ocupar os portos da costa leste da ilha.

Em 1623, Constantino de Sá e Noronha chegou ao Ceilão pela segunda vez como Capitão Geral, e desta vez ele havia recebido ordens específicas do vice-rei Dom Francisco da Gama para prosseguir até a fortificação de Trincomalee .5 Ele não perdeu tempo e, em julho de 1623, chegou a Trincomalee, decidido a fortificar a baía para estancar o comércio, ilegal aos olhos dos portugueses, que o rei de Kandy, através de mercadores muçulmanos, mantinha com outros reinos da Ásia; além disso, razão ainda mais importante, para evitar que outras nações européias se utilizassem de Trincomalee como base para conquistar a ilha.6 O local escolhido para a construção do forte foi o do templo de Konesar (Koneswaram), onde já tinham se instalado os dinamarqueses, durante sua breve ocupação. Desta vez o templo foi destruído, e as pedras utilizadas na construção do forte português. Durante a destruição do templo, os portugueses encontraram um pedaço de rocha com escritos em cingalês antigo, o qual previa a destruição por um povo (chamado de “francos”), com o qual os portugueses se identificaram. De acordo com as inscrições, o templo jamais seria reconstruído. Esta rocha foi colocada na entrada do forte português.7 O rei de Portugal, informado da construção do forte, elogiou Constantino de Sá e Noronha e ordenou, apesar da opinião em contrário deste, a construção de um forte em Batticaloa. Além disso, o rei sugeriu a transferência de parte dos cristãos da Costa da Pescaria para o Ceilão (Trincomalee), para povoar a ilha.8

Constantino de Sá deixou uma guarnição de 80 portugueses e 100 lascarinos9 sob o comando de Francisco Pinto Pimenta10, para terminar os trabalhos no forte e estender a influência portuguesa aos vilarejos vizinhos, assim garantindo provisões e homens para o trabalho. Inicialmente foram instaladas no forte 14 peças de artilharia, as quais foram transportadas com grande esforço a partir de navios dinamarqueses naufragados.11 Os portugueses colocaram sob seu controle direto as vilas adjacentes (Tambalagama, Gantale, etc.), às quais foi imposto um tributo: as localidades precisavam suprir o capitão do forte com elefantes e arroz.12 O rei de Kandy, como represália, organizou diversas expedições contra tais vilarejos para evitar qualquer tipo de auxílio aos portugueses.13 No ano seguinte, 162414), os portugueses foram forçados a organizar uma nova expedição; mais uma vez Constantino de Sá chegou a Trincomalee, agora terminando os trabalhos de construção do forte. Na ocasião, também foi estabelecida uma comunidade de 30 “casados”, vindos de Goa.

A construção do forte e a conseqüente destruição do templo complicaram bastante o relacionamento com Senerat, o rei de Kandy, pois este sentiu-se sitiado: os melhores portos da ilha estavam em poder dos portugueses, e o reino de Kandy arriscava tornar-se dependente dos portugueses para toda atividade comercial e qualquer contato com o exterior. Parece que um papel importante na tentativa de acalmar a reação do rei à ocupação de Trincomalee foi o do frei franciscano Eleutério de Santiago, que tinha sido enviado a Kandy por Constantino de Sá exatamente com este propósito.15

Queyroz criticou duramente a ocupação de Trincomalee; ele na verdade considerou um erro isolar Kandy ainda mais, e forçar o reino a formar alianças com outras potências européias. Além disso, devido à escassez de tropas e meios, era suicídio dispersar os homens por tantas fortificações pequenas. Some-se a isso o fato de que a perspectiva de fechar o comércio do reino de Kandy não era algo fácil de ser implementado, a não ser que os portugueses conquistassem a ilha inteira. A mesma função do controle exercido sobre o comércio kandyano a partir do forte de Trincomalee poderia ser facilmente exercida de navios, os quais, partindo dos portos de Galle e Jaffna, podiam patrulhar a costa, sem assim oferecer perigo aos kandyanos e a um custo menor para as finanças do “Estado da Índia”.16 Em 1627, o vice-rei Dom Francisco da Gama, também julgando inútil a construção de uma nova fortaleza em Batticaloa, expressou a opinião de que seis navios seriam suficientes para garantir a segurança de toda a costa leste da ilha.17

O forte construído pelos portugueses tinha formato triangular e era feito “…de pedra e argamassa…”, e consistia de três bastiões, um em cada ângulo. O mais importante deles era chamado de “Sancta Crus”, e era chave para a defesa da baía, situado no lado sul do istmo de maneira a ter contato direto com as águas da baía. Nele foram montadas seis peças de artilharia. Voltado para a extremidade norte do istmo ficava o bastião de “Sancto Antônio”, equipado com cinco canhões. Os dois bastiões principais conectavam-se através de um muro de cem passos de comprimento, três braças e meia de altura e seis palmos de espessura, sendo que este muro fechava o istmo em sua parte mais estreita. Um terceiro bastião – o menor deles – situava-se no lado norte, na península, e nele foram montadas três peças de artilharia. Todas as armas haviam sido recuperadas de um navio dinamarquês. Um muro de mesmas dimensões do anterior conectava este terceiro bastião no lado sul ao principal, Sancta Crus. Enquanto no lado norte o terceiro bastião conectava-se ao de Sancto Antônio somente por um parapeito de pedra e cal, situado no topo do penhasco e voltado para o mar, os portugueses modificaram a escarpa abaixo deste muro, fazendo-a mais íngreme. Na extremidade mais alta da península ficava um pequeno assentamento de portugueses casados e indígenas, um total de “20 brancos e 25 pretos”. Os “casados”, juntamente com outros 50 soldados portugueses, garantiam a segurança da fortaleza. Os soldados residiam dentro do forte com seu capitão, enquanto o comandante da fortaleza era designado pelo rei ou pelo vice-rei e morava numa casa no assentamento dos casados.18 E acordo com um mapa no “Livro das Plantas das Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental”, havia ainda um bastião isolado no lado sul do promontório rochoso. Em frente aos dois bastiões principais, aparentemente foi escavada uma vala. Um pequeno vilarejo nativo ficava entre o forte português e a baía. No mapa de Bocarro aparecem ainda três templos na extremidade da península, embora estes templos não apareçam no “Livro das Plantas das Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental”, da biblioteca do Paço Ducal de Vila Viçosa. A entrada do forte aparentemente situava-se no muro sul, do lado que dava para a vila dos casados.

Outro mapa interessante da era portuguesa, compilado pelo mesmo Constantino de Sá, governador do Ceilão, mostra o forte de Trincomalee situado no istmo da península. Neste mapa está claramente indicada a vila dos casados, denominada “pouvasam” (povoação), situada na península além do forte. Este também aparece com formato triangular e três bastiões. Parte da mesma coleção, um mapa maior do forte, com o título de “Planta da Fortalesa de Trinquilimale”, cita os nomes dos três bastiões: S. Cruz (o maior deles), S. Antônio e o menor, S. Tiago, com a indicação “esto baluarte se acomodou ao sítio”. Na parte interna do forte encontra-se o nome N. S. de Guadalupe, o mesmo da igreja de Trincomalee. Constantino de Sá nos informa que nos três bastiões havia dezesseis peças de artilharia, e a guarnição era formada por 40 soldados e 30 casados. O local era considerado inexpugnável por de Sá, devido a sua localização no alto do penhasco. Em sua opinião, com pequenos trabalhos adicionais de fortificação, o lugar poderia tornar-se um dos mais bem protegidos de todo o oriente.19 Esta é a descrição que o capitão João Ribeiro nos faz do forte de Trincomalee: uma fortaleza triangular com três bastiões, um em cada ângulo, armado com dez canhões de ferro, construída num morro perto da Baía dos Arcos. Dentro do forte havia uma igreja20 e um depósito para mantimentos e munições. Um capitão e 50 soldados formavam a guarnição e ainda dentro da fortaleza residiam um representante da lei, 16 casados e um capelão.21 Os lados menores da fortaleza mediam 75 metros e o lado maior, 150 metros.

Em 1628, após muita insistência de parte do rei de Portugal, e contra as opiniões do vice-rei e do governador do Ceilão, os portugueses também ocuparam Batticaloa, e lá construíram um forte, para evitar uma temida ocupação pelos holandeses. Foi o mesmo Constantino de Sá e Noronha que comandou a expedição que construiu o forte de Batticaloa. Ele chegou a Trincomalee com três navios em março de 1628, onde reforçou a guarnição, marchando a seguir para Batticaloa com cem portugueses e dois mil lascarinos. Foi escolhida para local do forte uma ilha na laguna. Em julho do mesmo ano, a construção do forte foi confiada a Damião Botado, e chamado de Forte de Nossa Senhora da Penha da Franca. A pequena fortificação foi construída numa ilha que protegia a baía, a qual os navios só podiam atingir durante a maré alta. A ilha ainda hoje leva o nome de Puliyantivu. O forte tinha formato quadrangular, com quatro bastiões guarnecidos por doze canhões de ferro. Dentro dele havia uma igreja e um depósito para munições e mantimentos. O local contava com uma guarnição de 40 a 50 soldados, um capitão, um representante da lei, um capelão e 20 casados. O local escolhido para a construção do forte de Batticaloa tinha vários pontos fracos, entre eles: faltava uma fonte para o fornecimento de água dentro dos muros; o canal que separava a ilha da costa era muito raso e estreito, não impedindo a passagem de tropas em caso de ataque; finalmente, o acesso ao mar era difícil e ficava a quase cinco quilômetros do forte. Poucos anos depois de sua construção, foi proposta uma reconstrução em local melhor, mas a crônica falta de fundos de Goa não permitiu que isto acontecesse.

O rei de Kandy, Senerat, em represália contra a construção do forte de Batticaloa, bloqueou toda e qualquer conexão por terra com os fortes de Batticaloa e Trincomalee. As guarnições portuguesas conseguiram sobreviver graças ao auxilia recebido por via marítima desde Jaffna. Como sempre na história do Ceilão, o controle dos mares foi uma vantagem decisiva que os europeus (portugueses, holandeses e finalmente ingleses) sempre tiveram em relação aos cingaleses, e que permitiu que eles dominassem ininterruptamente as áreas costeiras da ilha durante cerca de 450 anos.

Depois de sua construção, os dois fortes portugueses da costa leste, Trincomalee e Batticaloa, foram colocados sob a jurisdição do capitão de Jaffna.23 Normalmente, em cada um dos fortes havia um padre jesuíta residente.24 O primeiro resultado da conversão na região de Trincomalee parece ter sido encorajador. Na verdade, o padre Rebelo, chefe da missão de Jaffna, já em novembro de 1625 escrevia que, no ano anterior, o padre jesuíta que morava no forte de Trincomalee havia convertido onze mil almas.25

Continua: A conquista holandesa eo abandono do Forte

Mapa de Sri Lanka (Ceilão) (1681). Robert Knox. An Historical Relation of the Island Ceylon.
Mapa de Sri Lanka (Ceilão) (1681). Robert Knox. An Historical Relation of the Island Ceylon.

NOTAS:

1 A companhia dinamarquesa foi fundada em 17 de março de 1616.

2 Após ter sido severamente derrotado pelos portugueses, Mayadunne foi forçado a procurar abrigo em um navio dinamarquês ancorado no porto de Kottiyar, em 2 de julho de 1620.

3Barner Jensen, U. “Danish East India. Trade coins and the coins of Tranquebar, 1620-1845”, págs. 11-12; Holden Furber “Imperi rivali nei mercati d’oriente, 1600-1800”, nota n° 66, pág. 326.

4 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 727.

5 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 734.

6 De Silva “The Portuguese in Ceylon, 1617-1638”, págs. 67, 69 n. 33.

7 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, págs. 66, 67.

8 AA. VV. “Documentos Remetidos da Índia ou Livros das Monções, 1625-1627”, CNCDP, 1999, Lisboa, págs. 34-35, doc. n° 66 (Lisboa, 13 de fevereiro de 1625, pág. 203, doc. n° 635 (Lisboa, 4 de abril de 1626).

9Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 737.

10 Subseqüentemente ele foi substituído, por razões familiares (a morte de seu sogro, que havia deixado uma filha muito jovem), por Diogo Vaz Freire. AA. VV. “Documentos Remetidos da Índia ou Livros das Monções, 1625-1627”, pág. 102, doc. n° 283 (Goa, 23 de janeiro de 1625), pág. 184, doc. n° 595 (Goa, 23 de fevereiro de 1626).

11 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 737.

12 Queyroz dá a entender que as terras da região de Trincomalee eram muito férteis, com abundante produção de arroz. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, págs. 68-69.

13 Depois da ocupação portuguesa de Trincomalee, muitos agricultores das vilas de Tambalagama e Gantale mudaram-se para Kottiyar. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, pág. 69.

14 Verão de 1624, segundo Queyroz. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 736.

15 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 698; Perniola, V. “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, págs. 352-353; Trinidade “Conquista Espiritual do Oriente”, vol. III, págs. 79-80.

16 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 735.

17 AA. VV. “Documentos Remetidos da Índia ou Livros das Monções, 1625-1627”, pág. 331, doc. n° 880 (Goa, 20 de fevereiro de 1627).

18 Bocarro, A. “Livro das Plantas das Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental”, pág. 238.

19 “Costantine de Sa’s maps and plans of Ceylon”, p. 57.

20 Chamado no diário de Caen “Nossa Senhora de Garde Rope”, que vem a ser Nossa Senhora de Guadalupe, em: J. R. A. S. (Ceilão), n° 35 (1887) “The capture of Trincomalee A.D. 1639”, pág. 138.

21 Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, pág. 36

22 de Silva “The Portuguese in Ceylon, 1617-1638”, p. 89.

23 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 757-758.

24 No ano de 1628, encontrava-se presente em Trincomalee o padre Sebastião da Fonseca, enquanto que em Batticaloa residia o padre Antônio Soeiro. Em 1634 estava em Trincomalee o padre João Moura, e o padre Melchior Grasão pregava no forte de Batticaloa. Perniola, V. “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. III, págs. 125-126, 217 e 242.

25 Perniola, V. “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. III, p. 84.

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Colonialismo português Sri Lanka

Trincomalee: Os primeiros contatos com os portugueses

Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

Atrás: Introdução

2.0 OS PRIMEIROS CONTATOS COM OS PORTUGUESES

Um interesse inicial dos portugueses em relação a Trincomalee aconteceu no início da década de 1540. Tudo começou quando o rei de Kandy, Jayavira, seguindo conselho de Nuno Alvarez Pereira1, pediu ao governador português Martim Afonso de Souza para que ele abrisse uma “feitoria” 2 com um feitor em Trincomalee e que enviasse soldados portugueses a Kandy. O rei de Kandy, na ocasião, também prometeu pagar um tributo ao rei de Portugal. É óbvio que o objetivo principal do rei de Kandy, além de travar relações comerciais diretamente com os portugueses, era o de receber ajuda militar contra os reinos de Kotte e Sitavaka, os quais se achavam no direito de tomar Kandy.

Em fevereiro de 1543, parecia que os pedidos de Jayavira seriam satisfeitos; com este propósito, de fato, uma expedição portuguesa saiu de Negapatnam e, guiada por Amaro Mendez3 e Miguel Ferreira,4 chegou à baía de Trincomalee. Esta expedição inicialmente contava com 60 a 80 portugueses. O rei, sendo informado da chegada dos portugueses, imediatamente enviou a Trincomalee um contingente de 2000 homens. Juntamente com o português Nuno Alvarez Pereira, eles deveria juntar-se aos portugueses em Trincomalee e ajudar e apoiar a construção de um pequeno posto comercial e a sucessiva transferência de parte dos soldados para Kandy, mas a expedição foi um fracasso devido às numerosas deserções entre os portugueses, causadas pela falta de provisões, pela hostilidade dos locais e pela incompreensão entre os dois grupos.5

Segundo Queyroz, São Francisco Xavier também visitou Trincomalee, em 1543-44, tendo convertido alguns habitantes e sendo confrontado, em assuntos religiosos, por alguns líderes locais.6 Uma carta escrita por Nuno Alvarez Pereira em 1545 relata que alguns chefes de Trincomalee (Trycanamalle), juntamente com cerca de 3000 habitantes do local, quiseram ser convertidos à religião cristã.7 Esta demanda por conversão pode ter sido uma conseqüência da visita do santo.

Não obstante o primeiro insucesso, Jayavira, insistentemente, ainda em 1545, pediu ajuda aos portugueses, desta vez oferecendo pagar tributo ao rei de Portugal e permitindo a construção de um pequeno posto comercial em Trincomalee. Além disso, prometia pagar o salário do feitor, de um empregado da fazenda comercial e de mais 20 empregados que deveriam residir na capital. Para finalizar, o rei prometia ainda converter-se ao catolicismo, juntamente com toda a sua família.8 Como resposta a este pedido, em março de 1546 uma nova expedição foi enviada pelo governador da Índia Portuguesa para socorrer o reino kandyano.9 Atendendo à demanda do capitão da expedição, André de Sousa, quanto a qual caminho percorrer até chegar a Kandy, o rei Jayavira ordenou que eles procedessem via Trincomalee. Com uma tropa de cingaleses, Nuno Alvarez Pereira foi enviado pelo rei a Trincomalee para auxiliar o contingente português em sua transferência para Kandy, mas quando as tropas kandyanas chegaram a Trincomalee, foi constatado que mais uma vez os portugueses haviam desaparecido, e dos supostos 150 soldados não restavam mais que 13 ou 14. A razão para isso foi de que, ao chegarem a Trincomalee, os soldados portugueses tinham sido duramente atacados pelos habitantes da região, sendo obrigados a bater em retirada até Negapattan. Parte dos soldados portugueses alcançaram Kandy via Yala. No total, aproximadamente 50 soldados chegaram a Kandy.10 O enviado do rei de Kandy, Nuno Alvarez Pereira, foi então abandonado por quase todos os seus homens, temerosos de um eventual ataque por parte dos habitantes do distrito de Trincomalee, mas para sua sorte o temido ataque não se materializou.11 Fica claro a partir destes eventos que o território de Trincomalee, mesmo que nominalmente sujeito ao rei de Kandy, não era assim considerado com tanta certeza pelos kandyanos, mas apesar disso Jayavira considerou que a estrada que começava em Trincomalee era a mais segura para chegar a Kandy.12 Miguel Fernandes13 indica em uma de suas cartas as razões para o comportamento dos habitantes de Trincomalee. De acordo com o que ele escreveu, a causa das reações foi a conversão de Jayavira ao cristianismo.14

Ainda durante o ano de 1546 fizeram-se presentes em Kandy alguns embaixadores do “rei” de Trincomalee. Através deles, ele insistentemente implorava aos portugueses para se tornar cristão.15 Uma carta (datada de 16 de março de 1547) escrita por João de Villa de Conde e endereçada a João de Castro dá conta de um novo pedido do rei de Kandy para a construção de uma feitoria no porto de Trincomalee, sendo que desta vez Jayavira também comprometia-se a nomear Nuno Alvarez Pereira para o cargo de feitor.16 Como resultado desta nova manifestação, um novo contingente de portugueses chegou à costa leste da ilha, cerca de 100 homens sob o comando de Antonio Moniz Barreto. Desta vez, embora o local de desembarque tivesse sido inicialmente definido como Trincomalee, os portugueses desembarcaram em Batticaloa e chegaram a Kandy por lá. Esta expedição, porém, também terminou em fracasso.17

Nos últimos meses de 1551, o príncipe de Trincomalee, um menino de apenas sete ou oito anos, foi batizado pelo padre Anrriques. As razões para esta conversão podem ser encontradas numa luta entre duas facções pelo poder, uma delas guiada por um líder que era tio do jovem príncipe. Pensando em se beneficiar com a ajuda dos portugueses, o tio resolveu levar o menino até a costa de Pescaria18, onde moravam os jesuítas portugueses. Lá chegando, todo o grupo insistiu em ser cristianizado. Assim sendo, o príncipe, seu tio e de 30 a 40 de seus seguidores tornaram-se cristãos. Também foi organizada uma expedição para colocar o príncipe no poder em sua província. Desta participaram aproximadamente 1000 cristãos e alguns portugueses, mas devido à região estar em estado de rebelião, a expedição não obteve os resultados esperados, e após dois meses decidiu abandonar a empreitada para não colocar em risco a vida do príncipe. Este, que fora batizado como Dom Afonso (Afonço), foi enviado a Goa, onde foi apresentado ao Vice-rei. O jovem príncipe foi educado em Goa no colégio de São Paulo e confiado às curas espirituais do padre Antonio Gomez.19 Subseqüentemente, em 1560, os portugueses tentaram conquistar Jaffna, com o príncipe de Trincomalee participando da expedição. Desta maneira, o vice-rei Dom Constantino de Braganza esperava que, uma vez conquistada Jaffna, o príncipe seria trazido de volta a Trincomalee, onde reassumiria seu reinado e auxiliaria os portugueses na conversão do povo local. Todavia, a expedição falhou e o príncipe nunca chegou a Trincomalee, tendo que retornar a Goa.20 Durante sua vida em Goa, ele se correspondeu com o rei de Portugal, Dom Sebastião. 21 m 1568 o príncipe participou como voluntário do cerco a Mangalore, quando morreu em combate.22

Trincomalee é mencionada algumas vezes nos anos seguintes: em 1555 um pedido dos cristãos de Trincomalee por religiosos chegou a Punnaikayal, na costa de Pescaria, mas não pode ser atendido devido ao número insuficiente de clérigos.23 Em 1560, o rei de Jaffna, tomado de pânico durante um ataque à sua capital, feito pelo vice-rei De Bragança, para escapar dos portugueses, procurou abrigo, juntamente com toda a família real, no território do vanniyar de Trincomalee.24 Em 1569, dois navios portugueses chegaram ao porto de Trincomalee para levar a princesa de Kandy, filha de Karaliyadde (Javira Astana), que tornou-se esposa do rei Dom João.25

Como vimos, apesar das tímidas tentativas para instalar uma feitoria levadas a cabo pelos portugueses entre os anos de 1543 e 1547, Trincomalee e a costa leste da ilha permaneceram livres dos assentamentos portugueses durante todo o século XVI. Entretanto, à mesma época, eles haviam estendido seu controle sobre a região costeira ao sudoeste da ilha. Praticamente até o final daquele século os portugueses tinham sob seu controle os territórios que anteriormente pertenciam aos reinos de Kotte e Sitawaka, além de controlarem a ilha de Mannar. Contudo, nas últimas décadas do século XVI, a influência do poder português já começava a ser notada. Começando por volta de 1570, os portugueses começaram a coletar tributos do vanniyar de Trincomalee e do de Batticaloa.26 Uma taxa de proteção também foi imposta ao templo hindu de Konesar (Koneswaram) em Trincomalee. Os portugueses passaram então a coletar taxas sobre alguns produtos que o reino de Kandy exportava através dos dois portos principais, Trincomalee e Batticaloa.27

Em 1582, por ocasião da conquista do reino de Kandy pelas tropas de Sitavaka, o rei de Kandy, Karalliyadde Bandara (Dom João), juntamente com alguns portugueses que o tinham apoiado, procurou refúgio em Trincomalee. Isto aconteceu logo após a derrota de suas tropas para as de Sitavaka, e foi justamente em Trincomalee que o rei veio a falecer devido a uma epidemia de varíola. Entre os portugueses que seguiram o rei Karalliyadde até Trincomalee estava frei André de Sousa.28 O rei do Ceilão, Dom João Párea Pandar (Dharmapala), também menciona em um certificado sobre o trabalho dos franciscanos na região de Kotte o nome do frei franciscano André de Sousa, o qual havia sacrificado sua vida em Trincomalee. Menção ao religioso também foi feita por Trinidade.29

Em 1602, a região compreendida entre Jaffna, Trincomalee e Batticaloa foi designada para as curas espirituais dos jesuítas; estes tiveram permissão de construir igrejas e converter os habitantes locais.30 Naquele mesmo ano foi dada a primeira ordem portuguesa para a construção de um forte em Trincomalee.31 Esta ordem deve ter sido com certeza a primeira reação portuguesa à chegada de uma expedição holandesa e ao subseqüente primeiro contato entre os holandeses e o rei de Kandy, que aconteceu em 1602 na região de Batticaloa. Além disso, outra motivação foi o fato de que, durante os períodos de guerra com os portugueses, Trincomalee foi utilizada como um dos portos através dos quais o rei de Kandy recebia provisões e tropas do Nayak de Madura e do rei de Meliapor.32

Entre os anos de 1605 e 1609, Dom Francisco de Menezes alcançou Trincomalee em duas oportunidades, durante expedições militares contra o rei de Kandy.33 Uma descrição mais detalhada de uma destas expedições chega até nós através do relatório anual dos jesuítas, em 1606. Na verdade, o relato é de uma expedição punitiva efetuada naquele ano contra os rebeldes. A mesma era composta por um esquadrão de soldados portugueses e de 4000 a 5000 lascarins cingaleses. A expedição atingiu ainda Trincomalee, onde foram capturados não mais de 200 homens, mulheres e crianças, os quais, por ordem de Simão Correa (um capitão cingalês), foram todos mortos. Por “compaixão”, todos foram batizados antes de morrer.34

Uma carta do frei jesuíta Barradas, escrita em Cochin em novembro de 1613, fala de uma bem sucedida expedição portuguesa a Trincomalee no ano de 1612. Esta era chefiada por Dom Hieronymo de Azevedo, que atravessou as montanhas de Kandya e, no caminho, encontrou dois grandes reservatórios de água. “ …nossos homens descobriram dois reservatórios extraordinários; eles tinham quatro léguas de comprimento, e eram feitos a partir de escavações na rocha e muros de pedra, com um acabamento espetacular que se poderia esperar dos romanos, mas não dos cingaleses”. Depois de grandes dificuldades devido à chuva torrencial, os portugueses conseguiram chegar a Trincomalee, e lá de Azevedo “mostrou interesse em construir um forte”, para isso procurando o auxílio do rei de Jaffna, mas não tendo conseguido, ele acabou abandonando a tentativa e seguiu em direção a Jaffna.35 Uma sucinta descrição deste empreendimento em Trincomalee também foi escrita por Bocarro; ele descreve que de Azevedo estava guerreando na região de Trincomalee quando recebeu a notícia de que havia sido nomeado Vice-rei.36 Outro texto, porém, narra os planos feitos por de Azevedo para as fortificações em Trincomalee e Batticaloa. Ele deixou o Ceilão em novembro de 1612, indo para Goa, com vistas a assumir o posto de Vice-rei. Seus planos eram enviar no ano seguinte seis navios com os materiais necessários para a construção das fortalezas em Trincomalee e Batticaloa. Além disso, ele planejava enviar dois outros navios para patrulhar a costa de Galle, ordenando a estes navios que passassem o inverno seguinte em Trincomalee para auxiliar na construção do forte.37 egundo de Azevedo, uma das maneiras mais eficientes de enfraquecer Kandy era exatamente estancar o comércio do reino, o qual acontecia através dos portos de Baticaloa, Trincomalee, Rio de Água Doce e Jaffna, mas momentaneamente (isto foi em 1614) ele não considerava os portugueses capazes de ocupar todos estes portos.38

Subseqüentemente, com o tratado de paz assinado entre o rei de Kandy e os portugueses em agosto de 1617, foram definidas também as fronteiras entre os dois territórios, assim como as fronteiras ao longo da costa leste da ilha, onde os dois principais portos (Kottiyar / Trincomalee e Batticaloa) permaneciam sob o controle do reino de Kandy. Na verdade, no tratado ficou indicado que o limite dos territórios pertencentes ao rei de Kandy alcançava os portos de Kottiyar, Batticaloa e Panamá.39

No ano de 1619, todo o território do reino de Jaffna, que incluía Trincomalee e Batticaloa, foi designado às curas espirituais dos franciscanos. Esta decisão foi tomada pelo bispo de Cochin, frei Dom Sebastião de São Pedro.40 Mais tarde, outro decreto do mesmo bispo, datado de 11 de novembro de 1622, seguindo aquele de 1602, confiava novamente aos jesuítas as curas espirituais nos distritos de Jaffna, Trincomalee e Batticaloa, permitindo-lhes construir igrejas, ensinar os sacramentos e converter almas.41 Os jesuítas seguiram os soldados portugueses a Trincomalee e Batticaloa quando as duas localidades foram tomadas.

Continua: A chegada dos dinamarqueses e holandeses, e a construção do Forte Português

Mapa de Trincomalee por Antonio Bocarro (1635). Livro das Plantas de todas as fortalezas, cidades e povoaçoens do Estado da Índia Oriental (1635)
Mapa de Trincomalee por Antonio Bocarro (1635). Livro das Plantas de todas as fortalezas, cidades e povoaçoens do Estado da Índia Oriental (1635)

NOTAS:

1 Nuno Alvarez Pereira era um soldado português que chegou a Kandy em julho de 1542, logo tornando-se conselheiro e secretário do rei Jayavira.

2 Uma fábrica fortificada.

3 Amaro Mendes havia sido designado feitor daquela feitoria.

4 Miguel Ferreira era o capitão português da costa de Coromandel; a vida deste importante personagem aparece no artigo escrito por J. M. Flores “Um Homem que Tem Muito Crédito Naquelas Partes: Miguel Ferreira, os Alevantados do Coromandel e o Estado da Índia”, em “Maré Liberum”, n° 5 / 1993, págs. 21–32.

5 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 81–82.

6 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. I, págs. 236-237.

7 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 62.

8 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 71-72.

O tributo prometido pelo rei de Kandy era: quinze elefantes com presas e trezentos remos de faia para as galeras.” Ver Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 86-87.

9 O reino de Kandy havia sido atacado em novembro de 1545 pelas forças do reino de Sitawaka, e necessitava urgentemente de ajuda.

10Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 162, 177.

11 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 160-161.

12Para chegar a Kandy, freqüentemente era utilizada a estrada que começava em Batticaloa.

13Miguel Fernandes era um “casado” (soldado casado) português de Kotte.

14 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 177.

Jayavira foi batizado em segredo por Frei Francisco di Monteprandone no dia 9 de março de 1546.

15 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 154.

16Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 216.

17 Para detalhes sobre esta expedição, ver; O. M. da Silva “Vikrama Bahu of Kandy. The Portuguese and the Franciscans, 1542-1551”, págs. 63-76.

18 A costa indiana na região de Tuticorin.

19 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 286-288.

20 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, págs. 372, 374, 382.

21 Ver carta de resposta do rei Sebastião, datada de 7 de março de 1567 e publicada em Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 23.

22Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 382 nota n°1 e vol. II, pág. 23 n.1.

23Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. I, pág. 346.

24 “History of Sri Lanka”, vol. II, pág. 110.

25 Queyroz, “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 423.

26 “History of Sri Lanka”, vol. II, pág. 92.

27 “History of Sri Lanka”, vol. II, pág. 112.

28 F. F. Lopes “A Evangelização do Ceilão de 1552 a 1602”, em “Studia” n° 20-22 / 1967, págs. 30-31; “History of Sri Lanka”, vol. II, pág. 96.

29 O certificado é datado de 1° de dezembro de 1594. Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 137; Trinidade “Conquista Espiritual do Oriente”, vol. III, págs. 56, 68.

30 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 266.

31 Silva, Ch. R. de “The Portuguese in Ceylon, 1617-1638”, pág. 59, n. 149.

32 Abeyasinghe “Portuguese rule in Ceylon, 1594-1612”, pág. 36.

33 Queyroz, “The temporal and spiritual…”, vol. II, pág. 611.

34 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 256.

35 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 366.

36 Bocarro “Década 13 da História da Índia”, vol. I, pág. 11.

37 “Relacion del estado en que quedavam las cosas de la India, sacada de las cartas, que escrivio el virrey Dom Hieronymo de Azevedo…”, publicado em: “Documentação Ultramarina Portuguesa”, vol. I, pág. 73 e vol. II, pág. 157.

38 Bocarro “Década 13 da História da Índia”, vol. I, pág. 277.

39 “History of Sri Lanka”, vol. II, pág. 154 e também Silva, Ch. R. de “The Portuguese in Ceylon, 1617-1638”, pág. 59.

40 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. II, pág. 458.

41 Perniola “The Catholic church in Sri Lanka. The Portuguese period”, vol. III, pág. 51.